'Cause we're young, and we're reckless
We'll take this way too far
It'll leave you breathless
Or with a nasty scar
Porque somos jovens e irresponsáveis
Vamos levar isso longe demais
Isso vai te deixar sem ar
Ou como uma bela cicatriz
— Blank Space
— Eu me recuso a ouvir Taylor Swift enquanto a gente se arruma — Emily diz, aplicando o rímel diante do meu espelho no meu quarto do hotel.
— Então vai pro seu quarto.
Estou sentada na cama com o celular ao meu lado. Aperto play, e a Taylor canta: "draw the cat eye sharp enough to kill a man".
Emily me lança um olhar ferido pelo reflexo no espelho.
— Pensei que você me amava. — Ela termina de passar o rímel, basicamente o único item de maquiagem que usa além de corretivo, e se vira para mim. — Tem certeza de que você está bem o suficiente pra ir a essa festa?
O analgésico que tomei já está começando a fazer efeito. Ainda assim, estou fazendo uma leve pressão no inchaço no meu tornozelo com uma bolsa térmica bem gelada.
— Olha, acho que ninguém está bem o suficiente para ir a essa festa, considerando que acabamos de sair de um jogo. — Deixo a bolsa térmica de lado e me levanto para ocupar o lugar de Emily diante do espelho. Ainda estou usando apenas um roupão e acabei de secar o meu cabelo, deixando-o solto e com algumas ondas. — Mas depois do terceiro drink tudo se ajeita.
Começo a fazer a minha maquiagem, algo simples, e deixo o celular sobre uma mesinha ao meu lado. Ele logo vibra com uma mensagem nova. É Lúcia, a mulher que combinei de encontrar hoje, querendo saber que horas vou passar para buscá-la. Emily vê o nome na tela ao mesmo tempo que eu.
— Onde você conheceu essa mulher mesmo?
— Lembra de quando fomos àquele bar perto da Praia de Somorrostro?
— Tipo, mês passado? — Emily franze a testa. — Você está enrolando essa coitada faz um mês?
— Não estou enrolando ela. — Reviro os olhos enquanto espalho o blush sobre as minhas sardas. — Sinceramente, essa sua visão de mim como uma destruidora de corações está começando a ir longe demais.
Mas não é uma visão totalmente errada, e nós duas sabemos disso.
Leva pouco tempo para eu conhecer alguém, construir uma versão de mim que se encaixe exatamente no que essa pessoa espera, flertar um pouco, talvez fazer mais do que flertar e, no fim, terminar tudo. No geral, tudo começa e termina em duas ou três semanas.
Com um mês de flerte e alguns semi-nudes jogados aqui e ali, Lúcia já é recordista e nem sabe.
Desde que cheguei a Barcelona, em outubro, já saí com aquela moça de Valência — o que não terminou muito bem graças aos sites de fofoca e ao interesse exagerado das pessoas na minha vida amorosa — e mais duas pessoas. Em todos os casos, eu é que terminei as coisas. E, também em todos os casos, essas pessoas tinham expectativas diferentes das minhas quanto ao que estávamos fazendo.
Parti o coração de alguém? Não sei, espero que não, mas também não perguntei e nem fiquei por tempo o suficiente para descobrir.
— O quanto você gosta dessa Lúcia aí? — Emily pergunta depois de um tempo em silêncio.
— O suficiente para convidá-la para a festa de hoje.
— Não, isso é o quanto você quer transar com ela. O quanto gosta dela?
— Eu nem conheço ela direito, Emy.
— Um mês conversando e você não consegue saber se ao menos gosta dela ou não?
Eu bufo e murmuro:
— Gosto dela.
— Não senti verdade.
Atiro a minha esponja de maquiagem nela. Incrivelmente, Emily prevê esse movimento e afasta a esponja com um gesto da mão antes que a atinja, sem dar muita importância para isso.
— Pretende continuar falando com ela depois de hoje? — ela segue com o questionário. Eu suspiro e a encaro. Nos meus olhos, deve existir a resposta, porque ela estala os lábios e murmura: — Nossa, mas você não vale nada mesmo.
— Sabe quem é pior do que eu?
— Nem vem com essa.
— Isso mesmo, a minha irmã gêmea do mal. Só avisando.
Ela me abandona no quarto depois disso, indo secar o cabelo com um difusor diante do espelho do banheiro. Porque ir para o próprio quarto de hotel, pelo visto, está fora de cogitação.
Finalizo a maquiagem com um hidratante labial cuja coloração é levemente rosada. Não sou muito fã de batom ou gloss, mas Deus me livre sair por aí com a boca rachada. Na primeira vez que comprei esse hidratante, não gostei de descobrir que ele tinha sabor de cereja. No entanto, foi só ouvir alguns comentários sobre meus “lábios de cereja” que me rendi a ele. Não tem por que abrir mão de algo que está funcionando.
Começo a vestir a roupa que separei para esta noite, um conjunto de calça social e blazer, mas com o adendo interessante de uma blusa meio transparente por baixo. Coloco os sapatos de salto e vou até o espelho grande ao lado do guarda-roupas. Assim que encaro meu reflexo, minha garganta começa a arder com um sentimento mal contido. Nesse instante, Emily sai do banheiro e me encara de cima a baixo.
— Amiga, você está... uau.
Estou mesmo. Gosto de "uau".
O tom azul escuro do conjunto combina com a minha pele bronzeada e se destaca ao mesmo tempo, diferente dos tons mais neutros das roupas que costumo usar. Não é uma roupa discreta. É algo que faz o meu peito doer, só que de um jeito bom. Olho para o espelho e me enxergo ali, algo raro quando não estou usando uniforme ou roupas esportivas e folgadas para ficar em casa.
— Sabe, acho que nunca te vi de calça social — Emily comenta.
— Eu nunca usei. Tipo, tenho algumas, e também outros blazers parecidos com este porque sempre acabo comprando por impulso. Mas, quando vou experimentar fora de um provador, sinto que… sei lá, sinto que não fico feminina o suficiente. E essa feminilidade parece tão… utópica, sei lá. — Solto uma risada anasalada que não tem humor de fato. — Toda vez que uso um vestido ou uma saia é pior ainda porque aí sim fica óbvio que tenho músculos demais e que a minha cintura não é fina o bastante, que eu não caminho do jeito como uma mulher elegante e delicada deve caminhar, parece que estou usando uma fantasia e que todo mundo nota.
Emily acaricia meu braço, depois segura a minha mão.
— Eu sei. — Me viro para encará-la enquanto ela continua falando: — Parece que a gente fica tentando se redimir por sermos atletas, já percebeu? Porque tudo bem gostar de futebol, desde que isso não comprometa a nossa feminilidade. – Ela diz a última frase num tom exagerado, reforçando a ironia.
— Ou a nossa sexualidade — complemento.
— Sim! — Ela ri, depois balança a cabeça. — Ai, que inferno.
Eu me afasto um pouco para observá-la melhor, ainda segurando sua mão. Ela está usando um conjunto social também, mas por enquanto ainda não colocou o casaco, apenas uma camisa branca que combina com a calça bege. Em vez de uma sandália de salto baixo, como no meu caso, está com um par de tênis que custa mais do que eu e ela, anos atrás, costumávamos ganhar em um único mês. Depois de ter secado o cabelo, as mechas formam cachinhos pequenos que caem sobre seus ombros.
— Bom, nós duas estamos maravilhosas — digo.
— Lembra de quando a gente passava chapinha na franja e se maquiava só com base e lápis de olho?
— Essas memórias foram apagadas da minha cabeça.
— Mas não foram apagadas do meu computador.
— Emily!
Ela dá de ombros e solta a minha mão.
— É só para ter provas de que envelhecemos como um bom vinho.
Então ela se aproxima para acariciar o meu rosto, prendendo uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. Não é nada romântico — por mais que, se alguém pudesse tirar uma foto desse momento, muitas pessoas teriam muito a comentar sobre isso —, é apenas aconchegante.
Uma das melhores partes de estar com Emily é simplesmente ser vista. Ela sempre me amou com uma facilidade que nunca pareceu existir para mais ninguém, exceto talvez para a minha avó.
— E nós somos femininas o suficiente — ela assegura. — Do nosso jeito.
Eu sorrio, ao que ela retribui, depois nos afastamos.
— Vamos lá? — pergunto.
— Vamos. Você tem uma mulher para deixar de queixo caído.
— É, vou torcer para que atleta bissexual com abdômen sarado e de terninho seja o tipo de Lúcia.
Emily dá um sorrisinho malicioso.
— Ah, mas eu não estava falando da Lúcia.
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