People like you always want back the love they pushed aside
But people like me are gone forever when you say goodbye
Pessoas como você sempre querem de volta o amor que deixaram de lado
Mas pessoas como eu vão embora para sempre quando dizem adeus
— All you had to do was stay
No dia seguinte, depois de mais um treino com chuva, recebo outra mensagem.
Ainda estou em Barcelona.
Estou jogada no sofá da sala, embaixo de dois cobertores, e meus músculos parecem ter se transformado em pudim de Rebeca. Seguro o celular, xingando baixinho. A mensagem seguinte brilha na tela.
Por favor, Beca.
Sempre achei irritante quando Stephen me chamava de Beca. Não sei por que nunca disse isso a ele.
Tenho o impulso de dizer agora, de responder a mensagem com um simples "não me chama de Beca, ninguém me chama de Beca", mas isso apenas alimentaria a importunação dele. Stephen sempre foi insistente. Primeiro, quando nos conhecemos em uma festa, achei isso fofo. Depois do primeiro ano de namoro, um pouco cansativo. E agora... é quase insultante. Sei que ele não me ama, ele só quer ganhar. Me ganhar no caso, mas no sentido competitivo da palavra.
Que pena para ele.
Eu disse ao Stephen que não olharia para trás.
Disse que, se ele ultrapassasse o limite, não teria volta. Mas o limite foi se esticando mais e mais. No início, ele não podia flertar com outra pessoa. Depois, não podia beijar alguém, porque era ingenuidade achar que um homem carismático como ele se daria conta de quando estava flertando. Ele dava em cima de todo mundo, certo? Não significava nada.
No último ano do nosso relacionamento, o limite se esticou ao máximo: ele só não poderia transar com outra pessoa. Porque beijos acontecem no calor do momento, e o que eu esperava que ele fizesse? Não fosse mais a festas sem mim? Não bebesse mais?
E, quando ficávamos seis meses sem nos vermos por causa de ambos os nossos calendário de jogos, ele dizia que beijava outras bocas só para imaginar que era eu e matar um pouco da saudade. Não acreditei, mas aceitei.
O que me fodeu foi que eu realmente o amava quando tinha dezenove anos e tudo começou. E ele sempre dava um jeito de fazer com que eu me sentisse com dezenove anos de novo.
Nós ficamos juntos por seis anos.
Seis anos, porra.
Nem quero saber por quanto tempo desses seis anos ele já estava fazendo mais do que beijar outras mulheres. Não existem fotos. Mas três mulheres já vieram me perguntar "vocês têm um relacionamento aberto, certo?" e eu sabia. Eu sempre soube, no fundo. Mesmo quando era só flerte, quando os primeiros beijos com as outras nem chegaram a acontecer.
Se eu fosse embora, não voltaria. Por isso demorei tanto para ir.
Na última vez que o vi, Stephen nem me olhava nos olhos. Sentado ao lado de um advogado grisalho, usando tênis caros e com uma expressão de quem estava ali contra a própria vontade, nem parecia que ele é que estava tentando me processar por injúria. Não conseguiu, claro, porque era uma acusação que não fazia o menor sentido, mas me dá raiva ele sequer achar que podia. Ainda há coisas no mundo que nem homens como ele, brancos, ricos e famosos, são capazes de fazer.
Ele manda outra mensagem:
Sinto sua falta.
Na televisão, um reality show qualquer está passando. Tentei acompanhar só para esvaziar a cabeça, mas já me perdi nas intrigas. É uma quarta-feira cinza e só quero ficar em casa, aproveitando o restinho do dia.
Meu celular começa a tocar.
Encaro a tela, meu corpo gelando apesar das duas cobertas, um velho medo ressurgindo. Se eu atender, que pessoa serei quando a chamada se encerrar? A que entende tudo errado? A que é sensível demais? A que age como louca?
Stephen sempre teve o poder de transformar minhas confissões, meus momentos de vulnerabilidade, em munição. Assim, quando chegava o momento em que ele estava em uma situação ruim, já vinha preparado.
O toque do celular cessa. Eu solto o ar.
Por que ele só não me deixa em paz?
Volto a atenção para a televisão, obrigando a minha mente a se concentrar no drama entre dois ex-namorados e nas palavras chorosas de uma garota loira.
— Não quero voltar para ele — ela explica para a câmera. — Quando a gente namorava, eu não me via como uma pessoa boa. E achava que eu era assim e pronto. Egoísta, mimada e paranoica. Mas, depois que a gente terminou, percebi que ninguém mais me via desse jeito.
Egoísta. Eu era egoísta quando Stephen não queria seguir algum limite que eu impunha.
Já foi mimada, na concepção dele, toda vez que cuidava de mim e não dele — nem que fosse por um único dia, trocando uma visita à mansão da família dele por um banho quente e uma tarde lendo livros.
E fui a namorada paranoica tantas e tantas vezes. Toda vez que a minha intuição se aproximava demais da verdade, Stephen chamava de paranoia.
Estou com os olhos vidrados na televisão, me identificando até demais com o relato da moça. Mas aí ela começa a justificar o fato de ter transado com o pai do ex-namorado e minha atenção se dispersa.
O celular toca de novo, e estou com tanta raiva que atendo.
— Fala então, idiota.
— Oi pra você também, Beca.
— Diz logo o que você tem para dizer. Por que está me ligando?
— Estou em Barcelona, acho que podemos conversar pessoalmente. — A voz dele continua sendo melódica, o sotaque britânico familiar e ao mesmo tempo estranho, porque agora estou acostumada a ouvir o sotaque de Ember, do norte, não o dialeto londrino dele. — Não gosto da forma como as coisas foram deixadas entre nós.
Solto uma risada seca, sem acreditar na audácia dele. Acha mesmo que vou aceitar vê-lo pessoalmente só porque ele não gosta de como as coisas terminaram?
— Nada disso, Stephen. Você me ligou, então agora você vai falar. Não vou te ver pessoalmente, essa é a sua chance de se explicar. Me diz por que você fez tudo isso, mesmo sabendo que a gente já tinha terminado.
— De novo essa história? Eu não fiz nada. Não tenho culpa pelo que as outras pessoas falam.
É tão previsível.
Quando as fotos de Andressa e Emily começaram a aparecer em todos os lugares, mandei mensagens para ele, querendo entender por que ele não estava se pronunciando, por que não dizia que a gente já tinha terminado. Ele nunca me respondeu.
E, quando ele de fato se pronunciou, dando uma entrevista rápida para um repórter metido a besta, foi para dar a entender que de fato tinha sido traído. Ah, ele não falou com essas palavras. Disse que estava surpreso. De coração partido. E que nossos caminhos não seguiriam mais juntos, mas que ele me desejava sucesso e felicidade.
— Por que você ainda não falou em lugar nenhum que a gente já tinha terminado? — pergunto agora, a mágoa arranhando a minha garganta.
— Eu nunca concordei que a gente deveria terminar.
— Ah, então a gente não tinha terminado porque você não concordou? Que porra é essa, Stephen?
— Escuta, eu sei que você estava brava porque eu não demonstrei, sei lá, empolgação o suficiente quando você foi convocada para a Copa, mas...
A campainha do meu apartamento toca. Eu me levanto do sofá, me enrolando em uma das cobertas.
— Espera um pouco — falo contra o celular, depois o abaixo e abro a porta.
Ember está parada do outro lado, com alguns fios soltos do cabelo ao redor do rosto, usando óculos de grau que, de alguma forma, a deixam ainda mais bonita. Vê-la assim, enquanto segundos atrás estava ouvindo a voz de Stephen, é como uma lufada de ar fresco.
— Oi — ela diz, com seu meio sorriso de praxe. — Preciso de um favor.
— O que houve?
Ela aponta para um cesto de roupas no chão. Ele está transbordando com moletons e uniformes do time.
— Minha máquina lava e seca quebrou — ela explica. — Eu estava acumulando umas roupas até conseguir alguém para arrumar, mas o mecânico acabou de cancelar comigo e... — Ela lança um olhar para o cesto. — Bom, nesse ritmo vou ter que aparecer no treino de amanhã só de top. Ou talvez até sem top, porque acho que estão todos aqui.
Eu arqueio as sobrancelhas, nem um pouco contra essa ideia, mas abro mais a porta e me afasto para ela entrar.
— Pode usar a máquina sempre que precisar — digo, ainda segurando o celular contra a coxa.
O sorriso dela aumenta um pouco, indo de um meio sorriso para um quase completo. Ela se abaixa para pegar o cesto de roupas, seus bíceps tensionado com o peso, e entra no apartamento.
— Uau, você já conseguiu arrumar bastante coisa aqui. — Ela olha ao redor. — Mas a estante continua vazia.
De fato, só tem três livros na minha estante, que está ao lado da televisão.
— Eu vou colocando os livros nela conforme vou comprando.
Se não fosse pelos dois vasos de plantas que coloquei nas prateleiras para ocupar espaço, a estante vazia destoaria do restante do apartamento. O sofá está cheio de almofadas, as paredes têm pôsteres enquadrados e fotografias, há um tapete felpudo entre o sofá e o rack da televisão e, espalhadas pelo lugar, estão outras plantas, todas de um tipo que requer pouca água.
É o apartamento que eu sempre sonhei, e gastei muito dinheiro mobiliando e decorando. Não consegui evitar. É o primeiro lugar em que moro que é só meu. Agora, com Ember no centro dele, tudo parece perfeito.
— Mas e depois, quando você precisar se mudar de novo? — ela pergunta.
É um questionamento que vale para tudo, mas Ember perguntou especificamente sobre os livros, então digo:
— Aí eu faço uma doação para alguma biblioteca e depois começo outra coleção. É tipo uma página em branco, só que com uma estante em branco.
Um zumbido vem do meu celular, Stephen falando algo do outro lado da linha, e me lembro que ele existe.
— Ah, desculpa. — Ember olha para o aparelho. — Te interrompi?
— Não é nada demais. — Aponto para o corredor curto. — O banheiro fica ali.
Ainda não me acostumei com isso de a máquina de lavar ficar no banheiro — e de não ter um tanque para lavar minhas chuteiras —, mas para Ember deve ser algo normal. Ela segue na direção que apontei e levo de novo o celular à orelha, dizendo:
— Caso você precise do lembrete, já que pelo visto eu não deixei claro o suficiente, a gente terminou, Stephen. Há meses. — Falo baixo, não querendo que Ember ouça muito do meu drama pessoal.
— Está bem, vamos seguir essa sua linha de pensamento de que a gente tinha terminado mesmo. E daí você apareceu beijando outra pessoa uma semana depois, a porra da sua melhor amiga ainda por cima. Podia ter esperado um pouco, não acha?
Minha vontade é de destroçar o celular com o meu aperto, mas não tenho força para isso. E não confio em Stephen para explicar a ele que, na verdade, nem era eu beijando Emily.
— Pelo menos eu tive a decência de terminar com você primeiro.
— Isso é sobre aquelas mulheres que eu beijava nas festas? Pensei que a gente tinha um acordo. E é diferente, Beca, você sabe que para mim esse tipo de coisa não significa nada. Mas, com você, sempre existe um sentimento.
Ouço o barulho da porta da máquina de lavar sendo aberta no banheiro e abaixo ainda mais a voz:
— Não me chama de Beca, ninguém usa esse apelido.
— De onde veio isso? É o jeito como eu sempre te chamei, você nunca reclamou. Sério, é como se você fosse outra pessoa.
— Stephen, eu sou a mesma pessoa. Você é que sempre prometeu mudar, mas nunca mudou. Eu fiquei com você até onde consegui, mais até do que deveria, porque quando você estava comigo, você até que era um bom namorado. Mas o problema é que você quase nunca estava comigo. — Passo a mão pelo rosto, já não conseguindo mais manter o tom de voz baixo. — E quer saber quando tudo começou? Foi quando eu me lesionei no ano passado. Você disse para eu ir até a sua casa e eu peguei um avião mesmo estando com o joelho ferrado porque, feito uma idiota, imaginei que você cuidaria de mim melhor do que a minha família, o que nem é tão difícil assim.
— Beca...
— Mas você ficou comigo por um dia. Um dia, porra. E depois foi embora para festejar com seus amigos em Ibiza. Eu fiquei naquela casa sozinha, tomando as sopas que as funcionárias faziam para mim por pena, vendo as fotos que você postava e recebendo mensagens das mulheres que você beijava, que você fodia, enquanto eu estava ali sem nem conseguir tomar banho sozinha direito.
Ele fica em silêncio depois disso.
Do banheiro, também não há som algum vindo.
— Eu deveria ter ficado — Stephen diz finalmente.
— É, mas não ficou. — Eu ando até o sofá e me sento, ainda enrolada no cobertor. — Não ficou nos meus piores momentos, nem nos melhores. Para ser sua namorada, eu nunca podia estar muito bem ou muito mal, precisava estar só um passo atrás de você em tudo. Eu comecei a perceber isso ano passado, quando estava na pior, mas realmente ficou claro quando eu fui convocada e você... você nem sorriu.
— Eu... — Espero que ele diga que sente muito, algo assim, mas ele pergunta: — Realmente te perdi?
— Eu não sou um jogo, Stephen, pra você me ganhar ou me perder. Só... acabou. — Respiro fundo, precisando dizer as palavras seguintes: — E não é justo você querer conversar só agora, depois de tanto tempo. Depois que eu tentei te ligar e você não atendia, depois de ter fodido com a minha imagem e tentado destruir a minha carreira com um processo judicial. Não adianta achar que as coisas vão se resolver agora só porque você está pronto para conversar. Seu tempo acabou. Acabou há meses.
Ouço a porta da máquina fechando e o barulho suave dela sendo ligada. Como Stephen não diz mais nada, finalizo a chamada.
De novo, em vez de ele explicar as coisas, quem teve que se explicar fui eu. Por que achei que seria diferente? Espero que a ligação tenha servido ao menos como um desfecho. Ele não vai me defender para a mídia, mas tomara que também não me ligue mais.
Ember sai do banheiro, andando devagar pelo corredor.
Ela me olha por um momento e parece estar se perguntando se deve fingir que não ouviu tudo. Há um vinco fofo entre suas sobrancelhas e tenho o impulso de massageá-lo com o polegar, então uso as mãos para ajeitar melhor o cobertor ao redor do corpo, deixando apenas meu rosto para fora.
Pelo visto optando pelo caminho mais honesto, Ember diz:
— Eu não sabia que você tinha se lesionado.
Forço um sorriso. É como se o meu peito estivesse em carne viva, a pele virada do avesso, o frio soprando em tudo apesar da proteção do cobertor.
— Já faz um ano. E como você poderia saber? — pergunto. — Você nem sabia o meu nome.
Fico olhando para ela, esperando que desminta isso, admita logo que sabia quem eu era antes de se deparar comigo no vestiário do Johan Cruyff. Ela desvia o olhar, inclinando a cabeça na direção da TV.
— Quer assistir a algum jogo? Não que precise, é só enquanto a roupa lava. Eu poderia esperar na minha casa ou... — Ela olha de novo para mim, um leve rubor colorindo suas maçãs do rosto. Devo tê-la constrangido com aquela merda toda que falei para o Stephen. — Ou eu poderia ficar aqui, se quiser companhia.
Assinto, segurando firme nas bordas do cobertor.
— Eu gostaria disso. Que você ficasse um pouco.
Então ela fica.
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