I never miss a beat
I'm lightning on my feet
And that's what they don't see
Nunca perco o ritmo
Tenho eletricidade nos pés
E isso é o que eles não veem
— Shake it off
Setembro chega ao fim e os primeiros dias de outubro passam rápido.
Entre os treinos com o time e algumas saídas espontâneas, conheço um pouco mais de Barcelona. Num domingo de sol, Alba e Sofia arrastam Ember, Karin, Emily e eu até a praia.
Tiramos uma sucessão de selfies tortas com o mar ao fundo, banhadas na luz dourada do início do outono, e depois escolho uma delas para postar nos stories do Instagram. É a primeira vez em duas semanas que posto alguma coisa, e fecho o aplicativo logo em seguida, com as mãos suando.
Nos últimos tempos, qualquer interação com as redes sociais tem demandado muito de mim. Além das mãos suadas, às vezes chego a ficar com a boca seca e uma sensação de aperto no peito. Até já cheguei a considerar finalmente conversar com um psicólogo, mas aí a sensação passa e eu começo a me questionar se não é exagero.
Fecho o aplicativo, respirando fundo, e volto a minha atenção para as minhas colegas — minhas amigas, ouso dizer.
Estendemos cangas na areia e nos sentamos de pernas cruzadas. Emily encosta a cabeça no meu ombro, respirando calmamente, e observo as ondas indo e vindo. Vai ficar tudo bem, repito a mim mesma, como um mantra, tudo isso vai passar.
Sentada ao lado de Emily, Ember tira a camisa e fica só de top, aproveitando o sol do início da tarde. Eu encaro, porque não tenho modos ou senso de autopreservação.
De todas as jogadoras, ela é a que tem os músculos mais definidos e ficou mais bronzeada depois dos últimos treinos sob o sol. Minha boca fica seca enquanto observo seu abdômen e o movimento de seus bíceps. Eu jamais conseguiria esse físico com as mesmas horas que ela na academia. E talvez saiba disso porque esteja mesmo fazendo as mesmas horas que ela. No mesmo horário.
Seus olhos brilham e o vento balança o cabelo que, pela primeira vez na minha frente, ela deixou solto. Ela se vira na minha direção, abrindo um sorriso pequeno. Observá-la é uma queda livre. Talvez os oito anos que nos separam em idade sejam uma medida de segurança. Se ela estivesse só um pouco mais ao meu alcance, eu estaria perdida. Não ter chances pode ser o que me salva.
Depois, pra disfarçar que estava secando-a na cara dura, pigarreio e pergunto:
— Como você não está morrendo de frio?
— Isso não é nada perto do outono em Sunderland. — Ela franze a testa por causa do sol. Pobre cria do Reino Unido. — Mas no Brasil é diferente, não é?
— No Brasil, o inverno é só duas semanas de usar meia com chinelo.
— Fale por você — Emily diz. Ela se endireita, tira um protetor solar da mochila e começa a tentar aplicá-lo no rosto sem um espelho. — Em Araçatuba pode ser assim, mas em Curitiba...
— Ai, nem começa — interrompo, rindo. — Todo mundo aqui já ouviu falar do frio de Curitiba, se te conheço bem.
As outras meninas assentem. Alba se inclina na direção de Emily, pegando o protetor da mão dela e dizendo:
— Deixa que eu faço isso, você está só se lambuzando.
Hm, ok. Tem algo ali.
Enquanto Alba passa protetor em Emily, que até fecha os olhos, eu troco um olhar confuso com Karin, Ember e Sofia. As duas primeiras só erguem os ombros, como se não fosse da conta delas, mas Sofia dá um sorrisinho. Ela está notando o mesmo que eu.
Mas ninguém comenta nada e, depois de algumas horas, voltamos para nossas casas com areia nos sapatos e os rostos quentes do sol. Emily, Ember e eu dividimos um Uber, e olho minhas mensagens do Instagram enquanto isso.
Muitas pessoas responderam à selfie em que as outras meninas também aparecem.
Como você tem coragem de postar coisa com essa Emily logo depois do que fez com o Stephen? pergunta uma mulher em português.
Em espanhol, outra me questiona:
Você não tem vergonha?
E, em inglês, um queridíssimo escreve:
Já partiu para outra? As mulheres de hoje em dia se vendem por qualquer coisa.
Que lindo, ofendida em três idiomas. Nem me dou ao trabalho de ler as outras mensagens.
Olho na direção de Ember e Emily, que estão ao meu lado, e penso só por um segundo em falar alguma coisa sobre o assunto. Mas não quero que tudo seja sobre mim. E não quero estragar o clima.
Assim, faço o resto do caminho com o celular desligado, ouvindo as histórias que elas duas contam sobre a última Champions League. Faltam duas semanas para o nosso primeiro jogo na nova temporada da Champions. Só de pensar isso, meu coração acelera. Mas é uma ansiedade muito diferente da que sinto toda vez que vou abrir uma rede social, e muito mais bem-vinda.
— Será que amanhã sai o seu gol? — Emily pergunta, já no elevador do nosso prédio.
O elevador para no andar dela, o quarto, e ela coloca a mão entre as portas de metal para mantê-las abertas, esperando uma resposta.
— Com certeza — garanto, pelo que deve ser a terceira vez.
Por mais que eu siga prometendo, meu primeiro gol pelo Barça ainda não veio, nem nos treinos, nem nos jogos da Liga F contra outros times espanhóis. Amanhã vamos jogar em Valência e quero mesmo já estar manifestando esse gol. Se não for por habilidade, que ele venha pela lei da atração.
Emily acena e sai, e as portas do elevador fecham atrás dela.
Simples assim, restam apenas Ember, eu e o cheiro suave de protetor solar. Só vamos subir juntas por um andar. Acalma, coração.
Olho de lado para ela.
Ela olha de lado para mim.
São o quê? Dez centímetros nos separando em altura? Parece menos.
Passo a língua nos lábios e, na mesma hora, Ember desvia o olhar e começa a prender o cabelo, de volta ao coque. Também procuro outra coisa em que prestar atenção e me decido pelo visor mostrando que chegamos ao quinto andar, que é o último do prédio e o nosso.
Brinco com o elástico de cabelo no meu pulso, puxando-o só um pouco e soltando. As portas do elevador não abrem. O que rolou? Vamos ficar presas?
Puxo o elástico um pouco mais do que deveria e, quando solto, ele estala contra a pele do meu pulso.
— Merda — sussurro.
Ember olha de novo para mim.
— Está tudo bem?
Eu me obrigo a sorrir.
— Está sim.
Tiro o elástico do pulso, precisando fazer alguma coisa enquanto as portas continuam fechadas. Meu cabelo está solto, se derramando em ondas castanho-claras pelos meus ombros e pelas minhas costas. Deve estar puro frizz. Começo a prendê-lo em um rabo de cavalo, olhando para as portas, depois de novo para o visor mostrando o nosso andar.
— Será que... — começo a dizer.
As portas do elevador abrem.
— Boa noite, Rebeca — Ember diz, já indo na direção da saída.
Ela caminha em passos rápidos pelo corredor, sem olhar para trás. Ainda estou saindo do elevador, as portas mal terminando de fechar, quando ela abre a porta do próprio apartamento e entra.
Meu coração bate acelerado.
O que acabou de acontecer?
Ou nada aconteceu?
Tiro o celular do bolso enquanto caminho até o meu apartamento e, tomando uma decisão, baixo o aplicativo do Tinder. Vou precisar dar um jeito nessa minha vida amorosa de merda.
Comments (2)
See all