O nome dele era Dave Collins, e ele era um problema.
Eu o detestei de início. Havia algo nele, além do olhar assustado, que me embrulhava o estômago. A mão de Alex conectada a do estranho nunca vacilou. Desde que entramos na cafeteria — e eu nunca soube o motivo pelo qual eu concordei em entrar, e não dei uma desculpa qualquer para escapar... talvez fosse o choque, ou puro masoquismo —, eu desconfiei do rapaz. Era o porte, talvez, de seus ombros, como eles estavam tensos, o sorriso vacilante em seu rosto. O modo como ele tentava me incluir em sua conversa.
Mas foi, definitivamente, o modo como ele fez o pedido.
— Um frappuccino de caramelo com chantili extra para mim — Alex disse, com energia. Dave estava logo atrás, enquanto eu estava ao seu lado. — O que vocês vão querer?
— Um pequeno sem açúcar para mim — pedi, porque eu não tinha tido minha dose de cafeína do dia.
— Um… Mocca… Com… — Olhei para o rosto de Dave, que estava extremamente vermelho. Ele não encarava o funcionário do estabelecimento, que parecia muito paciente. — Com extrato de… Avelã…
— Dave, não é? — O funcionário o reconheceu, e as orelhas do dito cujo ficaram ainda mais vermelhas. — Deixa que eu faço o pedido dele — falou para a outra funcionária. — É um pedido especial. — E piscou para ele. Dave correu para trás de Alex.
Aquele casal estava cada vez mais estranho. Seria a tal não-monogamia? Eu não costumava me relacionar mais de uma vez com uma pessoa para ser considerado uma relação...
E o que quer que eu tivesse com Kurt, não era uma relação para começar.
Estava me sentindo cada vez mais confuso. Então aquele Dave Collins estava interessado no barista. Mas então por que ficar de casal com Alex? Estaria Alex interessado em Dave, e por isso, não reparava nas investidas que o outro fazia no barista? Ou ele tinha intenção de traí-lo? Alex não podia ser tão idiota.
Sentamo-nos em um dos cubículos e fiquei de frente ao ruivo, enquanto ele sorvia do seu praticamente sorvete, com o chantili alto, que borrou o canto de seus lábios. Droga. Eu ainda sentia desejo por ele, mas teria que reprimir o sentimento. Eu simplesmente não destruía relacionamentos.
Não mais, ao menos.
Meu olhar caiu de novo sobre as mãos entrelaçadas, mas dessa vez, Alex notou meu desconforto.
— Ah, isso? Não se preocupe.
— Não estou preocupado — disfarcei, bebericando do meu café. Aquela marca era horrorosa. Eu fazia um café bem melhor do que aquilo.
Para a minha surpresa, quem falou foi Dave.
— Eu e Alex não estamos namorando, se é o que está pensando. Ele apenas… me ajuda.
— Ajuda?
— Com as coisas. — Ele deu de ombros. — Com a vida…
Eu ergui uma sobrancelha. Alex interveio:
— Dave tem agorafobia. Ele não gosta de multidões, nem de sair de casa, em geral. Muita ansiedade. Sair comigo ajuda muito, já que me conhece desde sempre.
— Andar de mãos dadas também?
Aquilo não pareceu constranger nenhum dos dois.
— É um hábito. — Alex deu de ombros. — Desculpe-me se passou a impressão errada…
— O que Alex quer dizer — Dave interveio, parecendo relaxar enfim na minha presença. — É que ele está completamente, absolutamente, e plenamente, solteiro. E em necessidade de uma foda, então se sua bunda estiver disponível...
Alex quase morreu engasgado.
— Dave!
Dave tinha um sorriso de aprovação, que não conseguia disfarçar apenas bebendo do café com chocolate quente. Bem, era um aliado, apesar de improvável. Eu queria dar para Alex, mas... Esperava que eles não estivessem esperando por mais. Seria apenas uma noite. Aliás, não era estranho apresentar sua ficada de uma noite para seu melhor amigo?
Expectativas desleais.
Dave piscou para mim, levemente traquinas, e se levantou, deixando a mesa, e a mão de Alex livres.
— Estou indo.
— Está na hora, não é? — Alex olhou as horas em seu celular, que ainda tinha a tela rachada. — Precisa que eu vá com você?
— Não, fique aqui com Jesse. Eu volto daqui a pouco. Não vou atrapalhar mais o date.
Eu não sabia do que os dois falavam, mas Dave inspirou profundamente, e saiu da cafeteria, nos deixando à sós. Eu encarei Alex, que apenas olhava Dave sair porta afora, e ele se virou para mim.
— Dave tem uma consulta, deve voltar em uma hora.
— Consulta? De quê?
Alex olhou mais uma vez para a tela rachada do celular e apenas sorriu.
— Não se preocupe. Não é nada grave. É de rotina. Ele vem toda semana.
Ah. Uma consulta psiquiátrica, então.
— Eu fico feliz de verdade que você aceitou meu convite, Jesse. Mesmo. Eu queria conversar com você.
— E não conversamos a madrugada inteira? — provoquei.
— Não cara a cara. Direito, assim.
— É verdade. Em realidade, gostaria de lhe fazer um pedido.
Eu vinha pensando naquilo. Desde a primeira mensagem, desde que decidi vir àquele encontro. Alex me olhou sério, e depositou o copo de volta à mesa.
— Claro que pode.
— Gostaria que esquecesse aquela noite. Que nós começássemos do zero a partir de hoje. Como se eu fosse um estranho que tivesse vindo à sua mesa, pedido uma bebida e te paquerado por seu número apenas neste café, porque…
Porque aquela noite foi uma merda, era a verdade não falada de meus lábios. Não queria me lembrar, apesar do hematoma já estar um pouco menos roxo, e arder menos quando eu tomava banho.
E era porque... eu queria conhecê-lo melhor.
Tinha aquela pequena estrela em meu peito, afinal.
Alex pareceu pensar um pouco, bebendo do copo, e o levando de volta à mesa. Aqueles segundos de silêncio foram tortuosos, mas eu estava preparado para uma rejeição. Ou pior, para que ele perguntasse o que eu estava fazendo naquela ponte.
No fim, não importava se ele aceitasse ou não. Alex não era especial, eu podia achar outra pessoa com facilidade. Ele era apenas mais um no mar de tantas possibilidades, mas... Por que, então, eu prendi a respiração antes de ele responder?
— Certo — ele acatou. — Então, sr. estranho, poderia me dizer seu nome?
E estendeu a mão para mim, para que eu o cumprimentasse.
Ainda fiquei parado alguns segundos, surpreso.
— Você não vai perguntar nada? Você não se importa?
— Bem, não tenho como me importar com pessoas que não conheço. — Seu sorriso era misterioso, assim como ele. A sensação de alívio que me atingiu percorreu todo meu corpo, mais rápido que um orgasmo. — Qual o seu nome, sr. Estranho?
E eu sorri, estendendo minha mão para pegar na dele.
— Você que é o estranho, Alex. Meu nome é Jesse Bennett.
— Jesse Bennett, meu nome é Alex Morris. Prazer em conhecê-lo.
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