Em um lar comum, em uma vizinhança igualmente cotidiana e tediosa, um rapaz na casa dos 20 anos está deitado no sofá da sala. Seu corpo parado como uma estátua, exceto por seus dedos que não param de teclar em seu celular. Seus olhos iluminados pela tela do aparelho, um pouco maior que suas mãos, enquanto suas mãos estão fixas no eletrônico. Enquanto mexe em seu aparelho, demonstra uma concentração tão intensa que mal sente qualquer coisa ao seu redor. Tudo parece apático, cinza e sem graça. A vida de todos nas redes sociais parece melhor, mais divertida, mais interessante... e mais viva. É uma comparação que ele faz todos os dias.
Seu celular é sua fuga da realidade, da verdade e das pessoas, não por medo, mas por desinteresse em tudo. Tudo é chato. Tudo.
— João! Eu estou te chamando várias vezes! — sua mãe grita, parada em frente a ele com os braços em volta da cintura, expressando irritação em seu tom de voz elevado.
— Levanta! Vai lavar a louça para mim!
— Ok.
João se levanta preguiçosamente do sofá e vai até a cozinha realizar sua tarefa, mas leva consigo seu celular. Ele o coloca encostado na parte de cima do filtro de água, fixado na parede para poder assistir vídeos enquanto realiza a tarefa. Depois de concluí-la, volta ao que estava fazendo antes. Teclando e teclando.
— Você devia soltar esse celular um pouco, daqui a pouco seus dedos vão cair de tanto teclar. — grita sua mãe da cozinha.
Ele dá de ombros, pois não possui nada específico que gostaria de fazer ou realizar, nem algo em que acreditar. Apenas se satisfaz por ter seu mundo inteiro na palma da mão, mesmo que superficialmente.
Quando chega certa hora da tarde, ele tira um cochilo e ao acordar volta para seu amigo querido, o celular. Contudo, dessa vez há algo diferente: seus dedos estão mais rígidos e estalam a menor movimentação que seja. Estranhando isso, decide assistir a uma série para descansar os dedos. No entanto, quanto mais o tempo passa, mais sente seus dedos rígidos, até ficarem totalmente imóveis. Isso o assusta e rapidamente pede à mãe para marcar uma consulta o mais rápido possível com o clínico geral. Como é uma urgência, é marcada para o dia seguinte em uma clínica privada no centro do Rio. A espera até a consulta corrói João, pois deseja muito mexer em seu celular. É uma necessidade pulsante de teclar, o que o deixa impaciente e irritado. Para suprir seu anseio, opta por usar seus cotovelos, o que é pouco funcional no início, mas com o decorrer da madrugada em claro, consegue se adaptar. Sem mal perceber, sua mãe abre a porta de seu quarto.
— Bora, menino! Se arruma para a gente sair para sua consulta! Ele muda o foco do celular para sua mãe, os olhos cansados com olheiras e os cotovelos avermelhados pelo uso excessivo. A única luz naquele quarto escuro vem do aparelho. A mãe ajuda o filho a se vestir, tomam café da manhã e partem para a consulta. Durante a viagem de ônibus, João adormece com a cabeça encostada no ombro da mãe, acordando apenas quando ela o sacode. Eles descem do veículo, mas estranhamenteseus dedos têm um aspecto seco e seus braços estão rígidos, movendo-se como ferramentas enferrujadas.
— Mãe! Eu não consigo sentir meus braços direito! — diz em tom de desespero, com os olhos lacrimejando.
— Calma, filho, o médico vai resolver. — sua mãe também se sente aflita com aquilo. Eles se apressam e chegam à clínica para a consulta.
O médico identifica como uma possível paralisia e o encaminha para um especialista do respectivo problema. No decorrer desse tempo de exame e espera do resultado, seus braços ficam secos como seus dedos, como se não houvesse sangue correndo por eles. Entretanto, isso só é visto por ele, ninguém mais consegue enxergar aquilo, o que poderia ser um efeito colateral de seu inconsciente. Para uma análise mais completa do caso, são feitos raio-x, ressonâncias e exames de sangue, mas... nada.
— Não conseguimos identificar nada, você está perfeitamente saudável. Não há como explicar o seu caso. — disse o clínico geral depois de ver todos os exames, totalmente espantado. Não tem um motivo, não tem uma solução, apenas a resignação.
— Eu vou ficar assim para sempre? — pergunta em estado de choque.
— Infelizmente também não sei dizer, contudo, pode ser algo psicológico, então vou te encaminhar para um psicólogo.
Ao voltar para casa naquele dia, João se trancou no quarto. Não queria falar nem ver ninguém, mas queria teclar, então usou os dedos dos pés. Teclando e teclando. Nada o fazia parar. Se a vida estava complicada, ele teclava sobre. Se não era possível falar, ele teclava. Teclava e teclava. Contava a sua história. Mesmo com erros de digitação e sabendo que ninguém iria ler, ele teclava.
O psicólogo estava marcado para daqui a 7 dias, mas a rotina se mantinha a mesma. Faltando 5 dias para a consulta, os dedos dos pés ficaram inutilizados, então usou sua língua, mas faltando 3 dias, ela secou. Por último, usou o nariz, mas este também não durou. Sua respiração foi se complicando, então foi levado para a emergência, mas para os médicos, ele não tinha nada. Mesmo assim, sentia aos poucos seu corpo todo secar, os movimentos paralisarem, até chegar na fase em que, de tão secos, se esfarelavam e viravam poeira.
Contudo, todos puderam enxergar o que estava acontecendo. Era inexplicável. Com medo de ser contagioso, ele foi isolado e estudado. E sem poder se comunicar, ele só existia e via o tempo passar. Sua mãe, inconsolável, mantinha-se sempre perto, pedindo a Deus para curar seu filho. Enquanto ele, só desejava poder teclar um pouco mais, pois não tinha escrito o final de sua história ainda, e faltava tão pouco para acabar. A aventura que criara pouco a pouco todos os dias seria uma história sem fim.
João nunca fora um viciado em teclar, apenas um escritor que se deixou levar, e por fim, se foi sem poder publicar.
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