A brisa leste ventava com louvor, carregando consigo o aroma das pequenas flores multicoloridas que se faziam presentes no meio das verdejantes gramíneas da planície central dos Campos Alísios. O rapazote apoiou-se em seu cajado de ébano enquanto apreciava a paisagem onírica de Menyarn, sem acreditar que tivera parte na gênese daquele mundo tão perfeito.
Junto ao vento vinha a melodia transcendental de uma flauta, Torotomo baixou seu capuz, erguendo a cabeça para a direção do sol poente. Estava num ermo onde não havia nada além de paz e tranquilidade, um recanto paradisíaco para combatentes cansados, adoraria continuar ali por mais algum tempo, porém precisava partir, sua dupla estava muito, mas muito longe mesmo.
Embora o feiticeiro não gostasse de atrair atenção para si em lugares de baixo nível, não estava com paciência para ir a pé até a Cidade do Porto Cinzento, que ficava praticamente do outro lado do mundo, e então sacou seu berrante de chifre escuro e ricamente entalhado com runas mágicas e o soprou e o som ecoou por toda a planície.
Não muito depois um outro berro soou em resposta, Isurus, um grande dragão negro de olhos vemelhos, descia dos céus num mergulho belo e preciso, o réptil pousou suavemente sobre a grama, amassando-a sob seu peso colossal. Torotomo acariciou as escamas grossas e pretas, obsidiana pura, e logo montou sobre as costas do animal. Isurus era de longe sua melhor montaria, percorria centenas de metros num curtíssimo espaço, transformando o ambiente em borrões.
Enquanto voava, um pequeno mural flutuante apareceu diante do rapaz.
[18:32] Sentochihiro: cade vc?
[18:32] Torotomo: to longe
[18:33] Torotomo: mas ja to chegando
[18:33] Sentochihiro: to em porto cinzento
[18:33] Torotomo: saquei
Olhando para baixo, via, minúsculas, diversas cidades que surgiam e desapareciam com tamanha rapidez que somente conseguia identificá-las devido aos nomes dourados que brotavam em sua frente conforme entrava ou saía de um domínio para o outro. Os Campos Alísios eram território neutro, não pertencente a nenhuma das nações, entretanto agora sobrevoava uma área em posse da nação do fogo, o que significava que estava em território amigo.
Menyarn era dividida entre cinco nações elementais, cada qual comandada por um soberano que se dizia o guerreiro mais forte de seu elemento, este permanecia no posto até que outro aventureiro o desafiasse para um duelo justo e vencesse, só assim o soberano, denominado Imperador, passaria seus títulos e postos à outrem. Também havia duas outras formas de o Imperador perder sua coroa: abdicação ou ociosidade, caso isso ocorresse, se daria início a uma batalha sangrenta entre todos que desejassem se candidatar ao trono, o vencedor levava tudo.
Porém tais coisas jamais aconteceram em toda a história de Menyarn, os cinco Imperadores tinham pulso firme para defender suas posições e de qualquer forma a maioria dos jogadores estava satisfeita com isso, eram poucos que ousavam desafiar os soberanos.
Não havia uma só pessoa no mundo que não soubesse o nome dos cinco: Arthephius, a Imperadora da Terra; Kuroishi, a Imperadora da Água; Belladona, a Imperadora do Ar; Sentochihiro, o Imperador do Fogo; e Torotomo, o Imperador do Espírito. E mesmo com Torotomo sendo o soberano de uma nação, ele era companheiro de Sentochihiro e portanto suas nações eram aliadas e mantinham a paz. Muitos comentários maldosos circulavam entre as vilas e cidades, ódio, inveja, ignorância... Num geral Torotomo e Sentochihiro ignoravam, até porque estavam num patamar tão diferente que não valia a pena se preocupar com chorões inferiores.
No horizonte azul, Torotomo viu o mar reluzir sob a luz prata da lua. Isurus diminuiu a velocidade, logo recolhendo as asas para um mergulho veloz na direção da praça da cidade, o som retumbante de seu pouso pôde ser ouvido até mesmo nos limites das muralhas. Não havia uma só pessoa que não olhasse para o grande dragão negro, ele era magnífico. O feiticeiro sorriu, saltando para o chão e dando um tapinha carinhoso em uma das patas da fera, que curvou-se para logo em seguida alçar voo novamente, desaparecendo na noite.
O rapaz suspirou, agora todos detinham seus olhares nele e, não importava o que fizesse, o nome e o título acima de sua cabeça o denunciaria para todos: estavam diante do próprio Imperador do Espírito, o maior de todos os feiticeiros espirituais, Torotomo. Felizmente ele não precisou caminhar muito, a armadura do guerreiro que corria em sua direção era deveras chamativa, ouro vermelho que reluzia como fogo.
[18:37] Sentochihiro: TOROTOMOOOOOO!!!!
Caminhavam juntos pela praça sem pressa, afinal não havia muito para se fazer além de passear por aí, apreciar a paisagem e ajudar os mais fracos e menos experientes. Estavam em Menyarn desde sua criação, portanto era natural que já possuíssem tudo do bom e do melhor e já houvessem feito de tudo, se perguntassem qualquer missão, eles já a teriam concluído, se perguntassem qualquer dungeon, eles já a teriam derrotado. Assim era a vida de um Imperador, o mais forte e experiente jogador de uma nação.
Passaram por uma taberna e pagaram uma rodada de hidromel para todos, também leiloaram alguns itens raros por um preço baixo para aventureiros iniciantes e doaram outros de raridade menor, mas que ainda assim seriam de grande ajuda.
A Cidade do Porto Cinzento estava em território da nação do Fogo, então não havia problema em fazer essas exibições públicas, uma vez que isso deixava claro os benefícios da aliança entre Fogo e Espírito e aumentava a lealdade dos companheiros de nação. Naquele dia decidiram perambular aleatoriamente pelos arredores do porto, era engraçado, mas a capital da nação do fogo não era numa montanha fumegante ou num deserto árido, ela ficava às margens de um oceano de águas mornas e cristalinas e era rodeada por planícies de gramíneas, afinal as capitais deveriam ser amigáveis e convidativas já que eram o ponto inicial da jornada de novos heróis.
Falando neles, durante a caminhada Torotomo e Sentochihiro encontraram alguns desses heróis em caçadas e missões solitárias e ofereceram ajuda para todos, alguns negavam, mas a maioria aceitava e então permitiam que os Imperadores se juntassem ao seu grupo. Às vezes os iniciantes sequer entendiam que os dois possuíam posições tão ilustres e isso acabava por facilitar a vida, já que assim eles não ficavam retraídos ou intimidados.
Hoje estavam num grupo de seis: os dois Imperadores, uma assassina, dois guerreiros e um sacerdote. Conversavam animadamente enquanto caçavam porcos e felinos selvagens e faíscas coloridas se espalhavam a partir de feitiços e impactos. As regiões em torno de capitais eram pacíficas e os monstros relativamente calmos, não atacavam a menos que fossem atacados primeiro e derrubavam ouro e itens suficientes para que quem iniciasse uma jornada não ficasse na mão.
Assim logo a noite comprida tornou-se manhãzinha, o sol nascia no horizonte oposto ao mar morno do Porto Cinzento e nas brumas da madrugada os vapores que saíam das águas tornavam-se mais evidentes. Torotomo parou um pouco à beira-mar, divisando as ondas cristalinas e de pouca espuma, já havia visto aquela paisagem tantas vezes que perdera a conta, porém sempre se pegava encantado por cada mínimo detalhe de Menyarn, sem dúvidas o rapaz amava aquele lugar com todo o coração. Sentiu um peso em seu ombro e olhou para trás, seu companheiro Sentochihiro se juntara a ele para apreciar a água morna e Torotomo sorriu.
Tinha uma razão para que a Cidade do Porto Cinzento fosse a capital da Nação do Fogo: seu mar agradavelmente morno era um tesouro único em toda Menyarn. Aquelas águas tinham propriedades curativas e tratavam naturalmente de feridos e cansados, um local perfeito para descansar após uma caçada voraz pelos charcos pestilentos que faziam divisa com a Nação da Terra, também era bastante atrativo para iniciantes que poderiam rapidamente se recuperar de forma gratuita.
Torotomo adorava Porto Cinzento, era com certeza um de seus locais favoritos, mas sua própria capital, a Cidade das Orquídeas localizada no topo do pico mais alto da cordilheira das Montanhas Seculares, também não ficava atrás. Era a capital da Nação do Espírito e estava envolta em mistério e magia, tinha a forma de uma flor e as construções eram harmoniosas e requintadas, feitas em pedras preciosas e translúcidas. Quando a luz do sol atingia a Cidade das Orquídeas, um verdadeiro show de luzes multicoloridas iluminava os céus de Menyarn, o mesmo podia se dizer de quando a lua cheia brilhava sobre a cordilheira. Muitos córregos também por lá passavam, vindos do derretimento da neve das montanhas, e rodeavam e entrecortavam a bela capital. Lembrar-se de seu lar fez o feiticeiro sentir-se nostálgico, amava a Cidade das Orquídeas como nenhum outro lugar.
Enquanto o céu clareava e as estrelas rareavam, Torotomo foi surpreendido por uma caixa de mensagem flutuante em sua frente, olhou para o guerreiro ao seu lado e julgou que essa mensagem deveria ser privada, pois seu companheiro não parecia ter recebido uma também. Olhou ao redor, o grupo de aventureiros novatos já havia se dispersado há bastante tempo e não havia mais ninguém por perto, suspirando ele aceitou a solicitação.
[00:02] Kuroishi: as notícias correm rápido
[00:02] Kuroishi: XD
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