Um sentimento de preocupação crescia dentro do peito do rapaz, onde diabos estava Yamano que não atendia a bosta do celular? Bufou e balançou a cabeça a fim de se livrar de pensamentos idiotas, estava tudo bem com Yano, tinha de estar!
Hide andava de forma rápida, desejava mais do que tudo chegar em sua casa, talvez Chihiro Yamano já estivesse lá, o esperando no sofá com um sorriso afável. Sorriu ao pensar naquele sorriso que tanto amava, que era o seu favorito no mundo inteiro... Subitamente entrou em choque ao lembrar que pulou de um prédio uns cinco minutos atrás.
Se Yano me pega fazendo isso, ele me mata.
Tentou ligar para o namorado mais uma vez, contudo o resultado continuava o mesmo: fora da área de cobertura. Além disso Yamano também não respondia mensagens de texto ou sequer as visualizava, fazendo com que a ansiedade de Hideyoshi aumentasse de forma exponencial.
Por que suas pernas não se moviam mais rápido? Precisava chegar em casa o mais rápido possível, mas parecia que havia chumbo na sola de seus sapatos tentando atrasá-lo ao máximo.
Também havia outro problema: o sol estava em seu ápice no céu, anunciando a hora do almoço. O jovem já começava a sentir fraqueza e dores de cabeça, mas felizmente a sorte ainda não havia o abandonado por completo, o prédio para onde fora jogado ficava na mesma região de Tóquio que a sua casa, assim, mesmo a pé, não levaria mais que alguns minutos para retornar ao lar.
Não prestou muita atenção ao trajeto, pois conhecia aquela área muito bem uma vez que fora nascido e criado ali, porém o que lhe faltava era um bom condicionamento físico e logo sentiu-se cansado e ofegante. Quando suas pernas já ardiam em dor, Hideyoshi foi capaz de ver o topo da copa dos pinheiros mais altos de seu jardim e não pôde conter um sorriso, estava exaurido!
Respirou fundo e fez mais um esforço para alcançar os portões de sua casa, ainda mais quando percebeu que uma silhueta estava imóvel em frente ao portão, correu o mais rápido que foi capaz, seu coração batendo de forma tão acelerada que doía e a falta de ar queimava nos pulmões, mas tão logo quanto animou-se, decepcionou-se. Não era Chihiro Yamano quem o aguardava.
Aquela garota beijada pelo sol, o que fazia ela em frente aos portões da residência Takashi? Estaria o perseguindo assim como as três jovens damas de mais cedo? Hide diminuiu o passo à medida que reconhecia a cabeleira alaranjada, o semblante do rapaz com certeza havia se retorcido numa carranca, não tinha mais paciência para nenhuma gracinha naquele dia.
— Por acaso está me seguindo? — Inquiriu Hideyoshi de maneira polida, mas ríspida. Os olhos verdejantes o fitaram, algo curiosos.
— Eu é quem devia perguntar isso — novamente o rosto da ruiva verteu indiferença e a jovem tornou a tocar a campainha. — Estou surpresa, por que está aqui?
— Eu moro aqui.
Ela virou-se para ele exibindo um belíssimo sorriso, seus olhos brilhando em expectativa.
— Ótimo! — Exclamou, parecendo realmente aliviada e feliz. — Então você deve conhecê-lo, o senhor Takashi. Eu preciso vê-lo!
Hideyoshi suspirou, um tanto cansado. Como alguém podia possuir tanta energia à essa hora? Ela aparentava estar verdadeiramente contente, seus cabelos alaranjados só lhe davam ainda mais uma aparência luminosa e alegre. No fim, sentiu-se mal consigo mesmo por ter respondido de forma descortês.
— Que sorte a sua, acabou de encontrá-lo — comentou de maneira casual, aproximando-se do portão enquanto procurava a chave em seus bolsos.
Então o pensamento seguinte o atingiu como um raio: as chaves estavam com Yamano e ele, o dono da casa, estava trancado do lado de fora!
A risada da mulher fez com que Hide trincasse os dentes, enraivecido. Estaria zombando dele? Girou o corpo, sustentando uma expressão raivosa.
A ruiva ergueu as mãos num sinal de paz.
— Por favor, queira me perdoar, senhor Takashi — ela tentou se desculpar, embora ainda segurasse uma risada. — É só que eu esperava alguém... maior — riu novamente de forma descontraída. Não havia maldade alguma naquela jovem. — E mais velho.
Hide não foi capaz de conter o estarrecimento em sua face, como ela poderia ser tão desbocada para dizer-lhe essas coisas assim, sem um pingo de vergonha ou boas maneiras? Apesar disso, ele também não conseguia sentir raiva da garota em sua frente, ela possuía uma aparência tão despreocupada e uma aura tão tranquila e jovial, a própria luz solar parecia irradiar da pele bronzeada da ruiva.
Finalmente o rapaz foi capaz de perceber, ela não era japonesa, pelo menos não completamente. A pele bronzeada de leve tom dourado a denunciava: vinha de algum lugar tropical, com muito sol e maresia, e trazia consigo a vibe praieira que Hideyoshi imaginava que pessoas dessa parte do mundo deveriam possuir. Os cabelos eram lisos e alaranjados como o sol poente e os olhos de formato redondo, mas levemente estreitados nas pontas possuíam a tonalidade verde-água das águas de uma praia paradisíaca.
Em seus mínimos detalhes, ela era a imagem de uma cidade litorânea e tropical.
— Ouço muito isso — respondeu Hideyoshi após algum tempo. — Que quer comigo?
Ela trocou o peso do corpo de um pé para o outro, assumindo uma expressão soturna.
— Vim passar uns tempos na sua casa, espero que não se importe — disse por fim a ruiva, suspirando. Hideyoshi arregalou os olhos, como assim passar uns tempos? Sequer a conhecia! — Ué, pela sua cara vejo que está surpreso. Meu pai não avisou?
— Pai? Que pai?
— O meu, oras. Natsuno Takahashi — ela cruzou os braços, confusa.
O rapaz pôs a mão na cabeça e suspirou, então era isso.
Essa mulher de aspecto jovial e encantador era a filha de Natsuno Takahashi. Só podia ser.
Hide a observou por um longo tempo, jamais desconfiaria que ela era filha de quem dizia ser. Em nada parecia-se com o pai, exceto pelos ligeiros traços asiáticos em seu rosto coberto de sardas, porém tal coisa era bastante compreensível, uma vez que Natsuno fora casado com uma estrangeira de alguma parte distante do mundo. Sempre ouvira falar dela e certamente ela também ouvira falar dele, no entanto jamais haviam se encontrado até aquele dia. E se Hideyoshi estava de fato diante de Natsuno Faye, nada poderia negar-lhe.
Natsuno Takahashi era um grande amigo de seus falecidos pais e seu padrinho, quando soube da morte do senhor e da senhora Takashi, Takahashi veio voando do outro lado do globo somente para cuidar do afilhado. Assim Natsuno Takahashi foi como um pai para Hideyoshi e ambos possuíam uma relação muito boa tanto no lado pessoal como no lado profissional, pois era também a família Natsuno dona de grandes empresas e parceira comercial da família Takashi.
Contudo, graças ao fato de Takahashi ter passado um bom tempo ausente da família, sua relação com a filha parecia complicada. Hideyoshi subitamente sentiu-se cheio de culpa e compaixão, desejando fazer o possível para que mantivesse uma boa relação com a ruiva, devia isso a ela.
— A filha de Takahashi-san... — disse mais para si do que para a mulher, mas por fim voltou-se para ela. — Você também é bastante diferente do que eu imaginava.
A ruiva sorriu, estendendo a mão.
— Faye — apresentou-se ela. — Conto com você.
— É mútuo — respondeu o jovem, apertando a mão que lhe fora estendida. — Hide.
Os olhos cor de mar encontraram o singular olho cor de mel, naquele momento o coração de Hideyoshi palpitou, ele ainda não sabia, mas seu destino e o da ruiva estavam intrinsecamente entrelaçados de tal forma que nem mesmo as forças que regiam a vida e a morte seriam capazes de apartá-los da sina que os unia.
Quando soltaram as mãos, Faye retirou a mochilinha branca dos ombros e pôs-se a procurar dentro dela alguma coisa. Após uma quantidade de tempo relativamente longa para uma bolsinha tão pequena, ela retirou de lá uma garrafinha de plástico transparente e deu dois goles longos no líquido translúcido, deixando escapar um suspiro em seguida. Depois ofereceu o líquido para Hide, que aceitou de bom grado. Somente enquanto bebia é que ele percebeu o quão seca estava sua garganta, afinal não bebera nada desde que saíra de casa durante a madrugada.
O rapaz agradeceu e dirigiu-se ao portão, mas então recordou-se de que as chaves estavam com Yamano e xingou em voz baixa, apertando o botão da campainha inúmeras vezes. Que estranho, pensou, ninguém respondia o interfone.
— Hmm... senhor Takashi, creio que deva checar seu interfone depois. Acho que está quebrado — anunciou a ruiva, aproximando-se dele.
Hide assentiu positivamente, apanhando o celular e discando rapidamente o número de Ougi, um funcionário da casa. Era muito esquisito a campanhia ter quebrado de um dia para o outro.
Não, talvez houvesse quebrado antes, mas ninguém percebeu porque não recebiam visitas há algum tempo. Tanto faz, no fim Hide só pediria para que Mieko, a governanta da casa, cuidasse disso. Quando Ougi atendeu ao telefonema, Hideyoshi, envergonhado de contar a verdade e também receoso de que parecesse deplorável, inventou uma mentira qualquer sobre ele e Yamano estarem apostando corrida até em casa e as chaves terem ficado com Yamano, Ougi apenas riu de forma educada e logo tratou de abrir o portão automático da saída de carros, que ficava um pouco mais a frente. O rapaz convidou Faye com um gesto e ambos caminhavam lado a lado na direção da entrada.
Ele a observava de soslaio, tentando entendê-la e decifrar o que havia por trás daquela luminosidade praieira, tentando captar qualquer coisa que fosse, no entanto Faye apenas demonstrava calmaria. E cansaço. Andavam em silêncio, certamente acanhados por um primeiro contato tão recente, além disso Hide nunca fora bom com amizades, desde criança costumava estar só. Não, só não. Isso mesmo, havia ela, sua companhia sempiterna.
O jovem fez uma careta ao recordar-se de sua infância, suas memórias eram um tanto cinzentas e bagunçadas e as recordações sobre ela não eram diferentes. Não conseguia recordar-se muito bem, apenas sabia que ela esteve lá por um longo, longo tempo, até que naquele dia desapareceu sem deixar vestígios, como se tivesse sido dissolvida pela chuva.
Depois que ela se foi, Hideyoshi retornou para sua solitude por anos até que conheceu o seu destino. Sim, isso mesmo, Chihiro Yamano era o seu destino, não havia outra explicação.
Conheceram-se ainda crianças, Yamano chegou à residência Takashi num dia absurdamente chuvoso no começo do verão, Hide lembrava-se com clareza até mesmo das cores das hortênsias que floresciam no jardim, azul escuro e lilás muito claro, quase branco. O aroma de petricor permeava o ar quando o parente distante da antiga governanta foi trazido até a mansão, havia perdido os pais num acidente e não possuía mais nenhum parente interessado em criá-lo. Como a casa era grande e possuía recursos em abundância, Hideyoshi não negou a acolhida do menino, muito pelo contrário, fez o possível para que fosse criado do mesmo modo que ele próprio, o dono da casa. Desde então, mais de uma década se passara e algo que de início pareceu puro acaso cada dia mais mostrava-se fruto da predestinação. Pelo menos era o que Hide acreditava. Por mais fantasioso que isso fosse, ainda lhe garantia uma boa dose de serotonina.
Suspirou ao pensar em Yamano, preocupado sobre seu paradeiro.
Sentiu o olhar de Faye sobre si e parou, voltando sua atenção para ela.
— Alguma coisa? — Perguntou, sinceramente curioso.
A ruiva balançou a cabeça.
— Só estava tentando entender... — respondeu com um sorriso — entender o que se passa aí dentro — ela apontou para a testa de Hideyoshi e então o jovem percebeu que ela precisava olhar para baixo para ser capaz de fitá-lo.
Enquanto pensava numa resposta, um arrepio subiu por suas costas, anunciando um mau presságio. Instantaneamente ele girou os calcanhares, ficando frente a frente com uma bela e jovem dama de cabelos tão loiros que pareciam brancos. Faye o acompanhou, seu semblante intrigado e as sobrancelhas levemente franzidas, seus olhos cor de mar mediam a loira de baixo a cima.
A expressão da bela desconhecida era vaga e insípida, lembrando a Hide uma sopa de missô aguada. Fez uma careta de repulsa, antipatizara com ela desde o primeiro momento em que a vira, entretanto esforçou-se para controlar o tom de voz.
— Onde, por todos os diabos, está Yamano?
A loira deu de ombros, fazendo com que Hideyoshi trincasse os dentes.
— Se você continuar calada, chamarei a polícia!
O rosto fino e delicado enfim expressou alguma coisa, a mulher deu uma risada suave e contida, de sonoridade límpida como neve fresca. Hideyoshi cruzou os braços, empertigando-se, seu interior fervia.
— Você a conhece? — Sussurrou-lhe Faye, abaixada e bem próxima do seu ouvido. O rapaz negou com um meneio, ainda fitando a loira com uma expressão nada amigável.
— Você é muito nervosinho para alguém do seu tamanho — disse por fim a desconhecida, devolvendo para Takashi um olhar ferino. Os olhos cristalinos eram o espelho de um lago congelado.
Hideyoshi não conseguiu conter uma expressão de estarrecimento, hoje certamente era o dia de todos à sua volta ofendê-lo e fazerem graça da pouca altura.
— De qualquer forma — continuou a loira, enfiando a mão no bolso da saia —, pegue isto.
Ele apanhou o pedacinho de papel dobrado e seus olhos saltaram ao ler aquela caligrafia tão bonita e cuidadosa, tão delicada e cheia de esmero, era a tão conhecida letra de Chihiro Yamano.
Hide eu preciso de você, por favor venha com Mynea
não tenha medo , apenas venha
rápido
A respiração do jovem tornou-se rápida e descompassada, seu coração batia com tamanha velocidade que ele era capaz de ouvir doki-doki[1], doki-doki. Seus olhos encheram-se de lágrimas, ele encarou Mynea com um semblante sério. Engolindo em seco e apertando o papelzinho entre os dedos, Hideyoshi tomou coragem para falar.
— Irei até o inferno, se preciso for. Só... me leve até onde ele está.
Mynea assentiu positivamente com a cabeça, fazendo um gesto com a mão para que Hide a acompanhasse. Subitamente Faye se manifestou.
— Posso ir junto?
Mynea pareceu ponderar antes de responder.
— Não vejo problemas. Por favor, me acompanhem.
A ansiedade crescia no peito de Hideyoshi, quase sufocando-o. Cada passo era insuportavelmente lento, gostaria de sair correndo. Toda sua dor, seu cansaço e sua fome, tudo fora reduzido a nada, pois não havia coisa alguma no mundo capaz de superar seus sentimentos por Yamano.
_______________________________
[1] - Onomatopeia japonesa para as batidas do coração.
Comments (0)
See all