“Uma princesa não
deve correr.”
É uma regra que já me foi repetida tantas milhares de vezes que sou capaz de escutá-la ecoando na minha cabeça no mesmo tom estridente da professora de etiqueta, enquanto desvio dos serviçais carregando vasos e louças para o baile de amanhã.
“Uma futura rainha deve ser sempre pontual!”
É outra regra que escuto com frequência, de meus pais principalmente.
E é por já estar uma hora e meia atrasada para a mentoria governamental que não posso obedecer à primeira regra — mesmo que meu coração esteja a ponto de sair pela boca, em protesto pelas vezes em que evitei uma derrapagem no chão liso de mármore, sem parar para descansar desde os jardins. Os sermões de Thereezee são bem mais fáceis de ignorar do que os castigos de meu pai, também conhecido como rei Aristides.
Viro à direita, no penúltimo corredor antes da Biblioteca Real. A respiração passa rasa e entrecortada entre os dentes. As panturrilhas queimam em cansaço e mais uma vez os pés descalços vacilam no chão. Por muito pouco, consigo recuperar o equilíbrio a tempo firmando a mão na parede em vez de no grande vaso de porcelana ao lado.
O susto, entretanto, é suficiente para me fazer parar por um momento, me recostando à parede lisa. Solto a frente da saia e levo a mão esquerda ao peito, inspirando fundo. É insuficiente para estabilizar os batimentos e respiração ou diminuir o tremor nas pernas.
Já está atrasada. Não tem por que se arriscar correndo assim
A familiar voz do bom-senso sopra em meu ouvido, e solto a respiração pesadamente, num bufo. Em outras palavras: o castigo já está garantido, que diferença cinco minutos vão fazer?
Ao menos não há praticamente ninguém nesse corredor, boa parte da corte e empregados reunidos no Salão de Baile, ocupados com os últimos preparativos da festa. Rapidamente penteio o cabelo com os dedos e faço uma rápida trança, que jogo sobre o ombro — não vai durar sem um broche, mas com alguma sorte vai aguentar até que chegue ao gabinete de papai. Não há muito que eu possa fazer pela bainha do vestido oliva ou pelos pés descalços — nem sei onde perdi as sapatilhas.
Inspiro fundo uma última vez e, mesmo sem ter me estabilizado quase nada, retomo o caminho com passos largos e diretos; não mais uma corrida alucinada, mas também não um suave andar principesco.
Na última dobra para chegar ao corredor da biblioteca, entretanto, ignoro o bom-senso e volto a apressar os passos para chegar logo ao gabinete. Sinto o chão úmido apenas uma fração de segundo antes de meu equilíbrio vacilar. Estendo a mão para agarrar o primeiro borrão que vejo… ao mesmo tempo meu braço direito é segurado com firmeza.
— Senhorita, deve ter cuidado. Acabaram de passar… — A voz masculina desconhecida se interrompe com um ofego ao reconhecer que a pessoa que impediu de levar um tombo foi a herdeira ao trono.
O que menos preciso agora é de alguém se dobrando em mesuras ou me alongar em uma conversa.
— Entendi. Agradeço a ajuda. — Sem a decência de erguer o rosto, me desvencilho do suporte que a mão castanha-clara oferece… mesmo que meu coração martele num descompasso alucinado e eu não sinta qualquer firmeza nas pernas, com um estranho formigamento se espalhando como choque elétrico.
O primeiro passo quase me faz cair e, sem pensar, volto a me agarrar ao braço rijo. Ele solta um risinho nasalado e cerro os lábios, a mortificação escaldando meu rosto.
— Posso acompanhá-la até a porta, se quiser, Ali… Alteza. — Por breve segundo ele titubeia, como se fosse dizer meu nome, mas talvez tenha apenas a língua presa. — O chão está seguro lá.
Mordo a língua, me impedindo de recusar precipitadamente e cometer outro vexame. Mas ser escoltada até a biblioteca como se fosse incapaz de andar os últimos dez metros até lá sem cair de cara no chão é quase tão vergonhoso quanto.
— Apenas me ajude a chegar até a parede e consigo ir sozinha, obrigada.
— Se é o que diz… — concorda, mas a voz denuncia um divertido sorriso enquanto me ajuda a chegar à parede.
Aceno com a cabeça em gesto de agradecimento e retomo o caminho com o que restou da minha dignidade. O olhar do estranho prestativo permanece cutucando minha nuca, mas ignoro os puxões de curiosidade para virar o rosto e tentar um vislumbre — o vexame das duas quase quedas já ficarão me atormentando, não preciso acrescentar o risco de outra e nem a lembrança de um rosto rindo.
O caminho para a biblioteca estava quase vazio, mas não a biblioteca — embora afirmar que esteja lotada também seria exagero. Sendo o local escolhido pelo rei para seu gabinete particular, sempre há um punhado de guardas e nobres bajuladores espalhados pelo amplo salão, além daqueles que estão no ambiente pelos livros, de fato. Como se carregasse sinos no pescoço, posso sentir os olhares convergindo para mim, vindo por cima dos livros e por entre as grossas estantes-pilastras; e até mesmo do mezanino. Olhares sempre vigilantes, esperando qualquer mísera falha minha para espalhar à boca-pequena pela corte como atestado de inadequação.
Mantendo o olhar fixo na porta fechada muito adiante, fingindo que os cochichos são zumbidos de insetos, atravesso o salão principal da biblioteca em passos firmes como se não estivesse mais de hora atrasada e num estado tão lastimoso.
Dou um breve aceno de cabeça para os dois guardas posicionados diante do arco que leva ao segundo saguão, circular e menor, funcionando como antessala para o gabinete. As estantes nessa parte são embutidas na parede, numa madeira mais escura — dando um aspecto mais sóbrio ao lugar, um contraste aos tons pastéis do saguão principal. Além das três mesas, há um pequeno semicírculo com poltronas e um sofá amplo, para quem espera uma audiência particular com meus pais.
Bernardo, o secretário de quase setenta anos, me cumprimenta fazendo uma mesura e dizendo:
— O rei ainda está a sua espera.
Respiro fundo ao girar a maçaneta e solto o ar ao entrar no gabinete.
Papai está em sua mesa, debruçado sobre um documento. A casaca jogada sobre o encosto da cadeira, os óculos de leitura quase caindo do nariz fino e o cabelo liso pendendo como cortina sobre o lado esquerdo do rosto. É o repetitivo som de tec-tec da caneta batendo rápido no tampo da mesa de mogno que denuncia seu humor antes mesmo de me dirigir a palavra.
Quando ouve a porta fechar, a caneta para. Ele ergue os olhos muito devagar, primeiro para mim, parada diante da porta aguardando sua reação; depois, para o relógio pesado sobre a mesa.
E então novamente para mim.
— Uma hora e cinquenta minutos. — Apesar do tom sem flexão, as íris de intenso castanho-avermelhado flamejam irritação. — Onde esteve metida todo esse tempo?
Sentado do outro lado da mesa, não tem como ver a bainha do meu vestido ou os pés, senão teria uma boa ideia.
— No jardim.
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