— Onde será que ela escondeu a filha daquele maldito fantasma? — disse Ji Young em voz alta.
— Pobre Ji Young, achou mesmo que eu estava caindo nos seus truques? — disse uma voz vinda de um ancião barrigudo no meio das esculturas macabras.
— Arranquei a sua cabeça agora pouco! — exclamou Ji Young.
— Gostei do truque mental que você usou para tentar me enganar, no começo você escondeu suas intenções para fazer eu pensar que você queria me ajudar, mas você falhou quando me agrediu, perdendo a sua concentração o suficiente para eu voltar ao controle da sua cabeça.
— Alguns truques nunca falham, bruxa — falou Ji Young cortando a cabeça do ancião.
— Você deveria ler mais livros sobre magia. As coisas não são como você pensa no mundo metafísico — disse um indivíduo corpulento trajando roupas de um gladiador.
— Onde está a menina, bruxa maldita?
— Não posso entregar a garota para você.
— Então ela continua viva?
— Deuses não morrem fácil. Tentei vários tipos de feitiços, mas nenhum consegue matá-los.
— Se você a machucou, juro que faço você sofrer dez vezes mais do que ela.
— Mentira! — gritou uma idosa amarrada no teto — sei o que você quer e não inclui ajudar as pessoas. Você é uma vilã como qualquer outra que luta contra aqueles malditos heróis
— Não preciso ser boazinha para ser uma heroína.
— Sua mente é cheia de raiva, medo, luxúria e ganância. Nesse momento você está louca para salvar essa menina somente para matar o ogro e, com o dinheiro, saciar os seus desejos.
— A mulher que transformou todas essas pessoas em estátuas está tentando me dar uma lição de moral?
— Creio que estou enrolando demais para te matar — disse o gladiador se movimentando como se fosse um boneco que acabara de ganhar vida.
O homem bateu o seu machado na direção de Ji Young que foi rápida o suficiente para se esquivar do golpe. Com um salto ela se levantou do chão. Nossa guerreira girou sua espada e a fez entrar em conflito com o machado do seu inimigo.
— Sua espada é maior que você, por que não usar uma menor? — perguntou a bruxa por meio dos lábios do gladiador.
— A mesma pergunta faço sobre esse marchado, mas não sou uma idiota de conversar com alguém que nunca usou uma espada na vida.
Os movimentos de Ji Young foram ficando mais lento a cada instante em que a sua arma entrava em colisão com o machado. A vantagem de ser um morto é que você não cansa. Ji Young não aguentou por muito tempo e acabou caindo no chão. Ela rolou pelo tapete de peles em respostas aos golpes do machado que tentava partir o seu corpo ao meio.
— Como você matará um ogro se não consegue prevalecer contra um humano? — gritou a bruxa.
Ji Young se ergueu mais uma vez do chão e fugiu do gladiador, deixando para trás a sua espada. Ela adentrou mais fundo a casa procurando por algo que pudesse servir como arma para matar o guerreiro morto-vivo. Para sua sorte, ela viu uma sala cheia de bestas ferozes trancadas em jaulas. Entre elas um urso raro com o triplo do seu tamanho.
— Como ela conseguiu capturar você? — perguntou Ji Young para a criatura.
— Ela me enfeitiçou como todos aqui dentro — respondeu o urso, para o espanto da nossa guerreira.
— Mas que merda é essa? Você pode falar?
— Estou falando bem na sua frente e ainda pergunta?
— Você fala como se a porcaria de um urso falante fosse algo comum!
— Posso parecer um urso, mas, na verdade, sou um menino — respondeu o urso — a bruxa me transformou nessa coisa…
— Está ouvindo?
— Os gritos da bruxa, é claro que sim!
— Vou te libertar dessa jaula, espero que você se lembre de me ajudar a sair daqui em retribuição.
O gladiador entrou na sala gritando palavrões contra nossa Ji Young. Ele girou seu machado, acertando golpes nas jaulas dos animais. Ji Young usou isso a seu favor e começou atrair o golpe do guerreiro na direção da jaula do urso. Para sua sorte, o machado do seu inimigo partiu ao meio o cadeado da prisão, libertando o seu prisioneiro sedento de sangue. A criatura saltou em cima dele, jogando-o para o chão. Suas mordidas arrancaram partes da cera do corpo do homem. Ji Young e a fera se encararam por um momento antes dele abandoná-la.
— Preciso encontrar aquela menina e sair daqui o mais rápido possível — disse a guerreira para si mesma.
Suas mãos secas pegaram o machado do seu oponente e o testou batendo-o naquilo que sobrou da cabeça dele. Ela correu pelo corredor sem olhar para trás. Seu único pensamento era encontrar a menina e sair dali com vida.
— Ji Young, será que você simplesmente não morre? — sussurrou a voz no ouvido dela — estou perdendo a minha paciência com você.
— Essa casa é maior que parece, parabéns pelo truque de mágica que a fez parecer pequena do lado de fora.
— Está julgando que uso truques baratos?
— Baratos? Estou dizendo que você usa truques ultrapassados. Tudo que você fez até agora não é nada comparado com o que as bruxas iniciantes fazem no seu primeiro ano de aula.
— Quem é você para dizer algo sobre a escola de bruxas?
— Pensei que você lesse pensamentos.
— Leio pensamentos, não memórias — confessou a bruxa tola.
— Como disse, truques ultrapassados — disse Ji Young.
Ji Young se deparou com uma porta bizarramente elaborada com pele de veado e pintada com sangue verde de um troll. Ela não esperou para saber do que se tratava, somente usou o seu machado para parti-la ao meio. Diante dela, uma sala cheia de quadros surgiu. Todas as pinturas eram rostos de mulheres jovens de todas as raças e nacionalidades. Por um segundo, Ji Young jurou ter visto uma imagem de sua irmã, mas logo retomou o juízo. Aquelas pinturas foram criadas estrategicamente para invocar memórias nas pessoas.
— Receio que você encontrou a minha sala favorita de todo esse lugar — disse uma mulher à sua direita.
— É só o que me faltava. Até mesmo as pinturas você pode controlar! Será que tudo aqui é controlável?
— Ji Young, pare de fugir de mim e tente me escutar — falou outra mulher.
— Escutar a mesma abobrinha sobre matar uma menina inocente?
— Yumiko não é inocente. Você já ouviu a história sobre ela e sua rebeldia contra a sua mãe, a grande Taiyokoshinjo?
— Isso é só uma lenda…
— Essa lenda é verdadeira. A deusa fugiu do reino de cristal e veio para Miragem com uma fórmula mágica que pode fundir três criaturas numa quimera.
— Se isso for verdade, você é uma hipócrita, visto que o urso era uma criança humana transformada em fera por tuas mãos. Qual a diferença da Yumiko com você?
— Estúpida, isso é muito diferente de colocar uma alma num outro corpo. Yumiko fundirá duas mentes em uma, criando uma mente com a personalidade de um e as lembranças de outro. Isso é uma blasfêmia contra as criadoras de todas as coisas!
— Acredito que você tem que rever os seus conceitos sobre blasfêmia.
Todas as mulheres das pinturas, ao mesmo tempo, vomitaram um líquido verde como se fosse uma cachoeira. Ji Young tentou fugir, mas por ser uma mulher esguia, as águas começaram a dificultar o andar das suas pernas.
— Desta casa, sou a deusa! — sussurrou a voz. Pobre Ji Young! Quem poderá salvar nossa guerreira?
Ela começou a ficar em desespero conforme buscava uma saída daquele que parecia ser o fim da sua jornada. Ji Young parou de tentar escapar da morte e simplesmente fechou os olhos. Sua mente encheu-se com lembranças do passado, fazendo ela questionar se valeu a pena sua vida de guerreira errante. “Que os deuses tenham misericórdia da minha alma” pensou Ji Young já sentindo sua vida deixar o seu corpo. De repente, uma explosão fez a parede a sua direita se partir ao meio. Toda a água foi diminuindo, levando os quadros consigo. O Urso, saindo do buraco, saltou ao lado dela. Ele esticou sua pata e ajudou Ji Young a se levantar do chão. Ela não conseguia acreditar no que acabou de passar. Todas aquelas lembranças e medos foram uma sensação dolorosa que ela pretende nunca mais experimentar novamente.
— Procurei você até agora, perdi as esperanças de te encontrar com vida.
— Pensei que você foi embora.
— Não posso sair dessa casa, o feitiço da bruxa me impediu de cruzar a porta.
— Acredito que se a gente matar a bruxa, você é liberto dessa pele de urso — afirmou Ji Young.
— O que você está buscando? — Perguntou o Urso.
— Uma criança inocente que está prestes a ser morta por essa louca.
— Estranho, não me lembro de ter ouvido gritos de criança. Será que ela está dormindo ou, talvez, já veio morta para cá?
— Não importa, temos que procurar ela e dar o fora daqui o mais rápido possível.
Ji Young apanhou o machado do chão e caminhou com o urso pelo corredor que parecia não ter fim. Na sua frente, silhuetas de estátuas começaram a ganhar forma. Os dois pararam de andar. Se os homens empalhados fizeram tudo aquilo, o que dizer de estátuas feitas de ferro?
— Consigo ver uma porta à frente, porém, a estátua que a guarda é muito grande — afirmou o Urso.
— Não podemos arriscar o pescoço com aquela coisa — disse Ji Young preparando o marchado para a batalha.
— Não podemos voltar para trás, já que não sabemos o que nos espera.
— A bruxa não disse nada até agora, talvez ela tenha aprendido a lição.
— Você acredita que uma louca como ela aprendeu algo? — zombou o urso, esboçando um sorriso assustador no seu rosto peludo.
— Provavelmente não.
— Me promete que não vai me deixar morrer? — disse o Urso com os olhos lacrimejando.
— Pequeno, já fiz promessas demais por hoje. Vamos até lá com a certeza que sairemos vivos desse lugar maldito.
— Tem razão. Meu pai sempre dizia que os bons garotos não têm medo do bicho-papão. Honrarei o meu pai com a mesma coragem que você está tendo nesse momento.
— Agora levanta essa bunda do chão e, juntos, arrancaremos a cabeça dela.
Ji Young correu ao lado do urso rumo a única porta de todo aquele corredor sinistro. As estátuas ganharam vida conforme eles corriam. Suas espadas gigantes batiam no chão, mas não eram rápidas o suficiente para parar os nossos heróis.
Os arqueiros de chumbo desprenderam-se dos pedestais e atiraram suas setas, mas Ji Young foi rápido o suficiente para se proteger com o seu machado. Ela correu na direção deles e os despedaçou. O urso saltou sobre as outras esculturas vivas e as transformou em pedaços com sua força sobre-humana. O chão tremeu.
A estátua que guardava a porta ganhou vida. O rosto dela se despedaçava conforme as pernas gigantes se locomoviam. Em questão de segundos a estátua ganhou a face da Bruxa. Ji Young sentiu que aquele seria o seu maior desafio. A criatura, portando um martelo de guerra, bateu no chão com tamanha força que uma cratera se abriu. Ji Young correu na direção da cratera e saltou com o machado erguido. Antes que ela pudesse tocá-la, a estatueta acertou nela um golpe da sua mão como se estivesse batendo num inseto.
A guerreira colidiu com a parede, destruindo-a. O urso, percebendo que a sua amiga estava machucada, dirigiu-se rumo ao gigante de pedra. Usando suas garras, ele perfurou a pele dura da estátua e escalou feito um gato rumo ao rosto da bruxa. Os olhos dela brilharam como uma lâmpada. O urso fez uma expressão de medo diante do que estava para acontecer.
Raios saíram dos olhos da figura de pedra, acertando-o bem no seu peito. O urso caiu numa estaca de madeira quebrada. Ele sentiu o objeto perfurar sua carne e adentrar suas entranhas. Sangue manchou o tapete. Os gritos de agonia do jovem que fora um urso fizeram Ji Young urrar de raiva.
Ela se levantou do chão gritando seu grito de guerra. Com o machado nas mãos, Ji Young pulou igual a um sapo e, com a força de um gorila, acertou a ponta da sua arma no braço da estátua, quebrando ao meio. Ela pousou no chão e com um giro perfeito, destruiu a perna direita do gigante. A estátua começou a cair. Nossa guerreira acertou o machado na última perna intacta. O gigante caiu como uma árvore pesada que acaba de ser acertada por um raio. Ji Young, com um último golpe, destruiu a cabeça da bruxa, esparramando pedaços de mármore para toda a extremidade do corredor.
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