Ano 935 da era dos heróis
Lembranças são apenas ilusões, o passado se foi e nunca mais voltará, o futuro é apenas especulação, nunca saberei o que está por vir, por isso tenho que firmar os pés no agora, esperando a vinda do meu verdadeiro amor.
Eu observava a fonte do jardim real quando fui interrompida pela dama da corte. Minha mãe queria me ver nos seus aposentos, uma coisa rara vindo dela. Fazia um ano que ela vinha me evitando.
Minha mãe culpa meu pai por ter me gerado e ele a acusa de ter feito bruxaria para poder gerar filhos, mesmo sabendo que isso não passa de especulação dos invejosos. Enquanto eles debatem de quem é a culpa por eu nascer com o olho direito abaixo do esquerdo, minha mente me condena.
Caminhei até os aposentos de minha mãe. Sentei-me ao seu lado evitando olhar nos seus olhos. Ela colocou sua xícara na mesa e me encarou com um olhar de nojo.
— Seu pai disse que todas suas irmãs estão comprometidas com príncipes, duques e reis, mas você é a única que ninguém quer se casar— disse ela com uma expressão de desdém — eu respondi que não era uma novidade, ainda mais vindo da filha mais estranha do nosso casamento.
— Você me chamou aqui para dizer o quão bonitas são minhas irmãs? — perguntei com a cabeça baixa.
— Hiroki, seu irmão, pediu para eu falar com você — respondeu com uma voz seca —, não posso negar o pedido do futuro imperador, mesmo sabendo que me sentiria ofendida por estar na sua presença.
— Ele sempre tenta nos aproximar, mesmo sabendo que isso é impossível — falei enquanto pegava uma xícara.
— Dei permissão para você pôr a mão nas minhas coisas?
— Por que você me odeia tanto? — perguntei, tentando conter minhas lágrimas.
— Prometi aos meus pais que daria ao imperador filhos mais bonitos que os deuses nos céus. Consegui esse feito com meus 5 filhos, mas você, a última, devia ter sido o ápice do meu poder, porém, o destino me presenteou com um duende feio que nem mesmo o príncipe mais pobre deseja!
— Se sou assim, é porque puxei para você! — gritei.
Ela não conteve sua mão e me deu um tapa. Lágrimas escorreram pelo meu rosto. Olhei para minha mãe tentando ver se tinha algum arrependimento por fazer aquilo, porém, tudo que recebi foi um olhar seco de repugnância.
— Se eu pudesse voltar no tempo — ela suspirou — teria abortado você.
— Juro, diante de todos os deuses, que serei uma mãe muito melhor do que você.
…
Era uma manhã na feira dos comerciantes. Recusei a companhia dos soldados; somente algumas damas foram comigo. As barracas estavam repletas de mercadorias vindas de todo o mundo. Eles me ofereciam frutas e iguarias, mas eu recusava os presentes. Só queria uma única mercadoria que nenhum deles poderia me dar.
O famoso Ryoichi vendia veneno suficiente para matar o exército dos bárbaros. É claro que eu não queria acabar com os inimigos de meu pai, mas somente uma única pessoa. A barraca era pequena e a aparência do seu dono era estranha e horripilante.
— O que a senhora deseja? — perguntou o homem com um sorriso que assustou minha dama de companhia.
— Quero algo rápido, que não cause dor e seja bem eficiente.
— Está querendo matar alguém, princesa?
— Uma pessoa que está me irritando muito.
— Tenho algo, mas não posso prometer se ele será indolor.
— Sendo eficiente, já me basta — afirmei.
Paguei o frasco e caminhei rumo às frutas estrangeiras na barraca da senhora Hotaru. Queria comer algo antes de fazer aquela loucura. Os deuses não responderam minhas preces e, até onde sei, não estavam nem ligando para minha dor. Só queria alguém que me amasse, porém, tudo que recebi deles foi zombarias.
— Moça, você é uma princesa? — perguntou alguém puxando a ponta do meu vestido.
Quando olhei para baixo, me deparei com uma criança. Fiquei com nojo quando vi suas orelhas. Ele era um bárbaro! Suas roupas estavam rasgadas e um sorriso enfeitava seu rosto dourado.
— Pelos deuses, o que você quer de mim? — perguntei puxando o meu vestido das suas mãos.
— Você é uma princesa? Seu rosto é tão bonito que pensei que você fosse um anjo! — disse com tanta sinceridade que senti meus olhos lacrimejarem.
— Você não me acha feia? Todo mundo me chama de duende, por que você diferiria? — Perguntei.
— Todo mundo está errado, você é tão bonita que paralisou o Isniffi!
— O que você quer? — perguntei
— Senhora, se afaste desse verme! — gritou uma das damas que me acompanhava — expulsarei ele daqui para a senhora.
— Se fizer isso, mando meu pai arrancar sua cabeça — gritei em resposta.
— Menino…
— Isniffi!
— Me desculpa — Sorri — Isniffi, o que você deseja?
— Desejo que você seja minha mãe! — disse ele abraçando minha perna.
Sua mãe? Pensei. Não fazia sentido nenhum, porém uma alegria tão grande tomou meu coração. Finalmente alguém que me amava pelo que eu sou! Joguei o veneno no chão. Já não queria mais tirar minha vida. Aquela tristeza e angústia fora embora! Esse menino, o bárbaro órfão, me fez ter esperanças.
— Qual o seu nome? — perguntou ele subindo em meus ombros.
— Sou Emika — respondi acariciando sua cabeça dourada.
— Você será minha mãe?
— Acredito que sim, afinal sou a filha do imperador! — respondi com medo de estar ficando louca em aceitar o pedido de um elfo bárbaro em tempos de guerra.
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