— Ser pobre é uma merda — resmungou Ian ofegante, ele havia corrido para pegar o ônibus e quando ele finalmente chegou o motorista arrastou o carro como se quisesse tirar sarro dele.
Ele sabia que o dia seria ruim, chegar atrasado no trabalho era o suficiente para estragar tudo. Se ele não chegasse na hora teria que compensar o tempo de atraso, o que o faria se atrasar para o seu segundo emprego e isso significava ficar até o fechamento, e se ele ficasse até o fechamento chegaria ainda mais tarde em casa o que significava menos horas de sono, que já eram tão poucas.
Essa vida de jornada dupla estava acabando com ele, mas que escolha ele tinha? Ele tinha um subemprego de merda em uma empresa de merda com um salário de merda e com as suas qualificações era tudo que podia conseguir, ao menos o seu segundo trabalho era divertido e pagava um pouco melhor, mas ele não tinha carteira assinada nem nenhum benefício e era isso que o prendia naquele inferno.
Não é como se ele tivesse dívidas, ou que tivesse que sustentar outra pessoa além dele mesmo, pois ele não tinha. Mas a vida era dura e tudo era caro e um órfão tinha que se virar como podia.
Como uma criança que cresceu sem pais, sem amor e carinho, recebendo menos que o básico no orfanato, ele tinha se tornado um adulto decente que trabalhava e pagava suas contas, mas a que custo? Ian passava grande parte das horas do seu dia trabalhando e o tempo que sobrava ele usava para dormir.
Mas o jovem rapaz tinha um sonho, ele sabia que era um sonho impossível, no entanto, isso não o impedia de desejar. Ele queria deixar de ser aquele rapaz franzino que ele via no espelho pra se tornar uma pessoa poderosa, sua sede por poder e dinheiro era grande e ele gostava de pensar que seria capaz de fazer tudo para alcança-la, mas, na verdade ele estava preso naquela rotina de merda.
E o que um órfão, com dois empregos de merda que tinha 4 horas diárias de sono, poderia fazer para mudar isso? Nada, apenas sonhar.
Como esperado o dia foi um inferno, Ian teve que compensar suas horas na empresa e chegar tarde a seu segundo emprego, onde ele era bartender e já foi recebido com gritos e xingamentos, a boate Luxúria estava super lotada e parecia que iria receber alguém muito importante.
— Soube que Dante reservou a ala VIP toda para ele — disse uma cliente para sua amiga enquanto esperava a sua bebida ficar pronta.
— Sério? — A amiga suspirou — Estamos com sorte então! Quem sabe não somos escolhidas pra fazer companhia a ele?
— Se toca garota! Você acha que a gente está aos pés dele? Ele é o dono da porra toda, não vai se contentar com duas garotas sem graça como nós.
As bebidas foram entregues e as moças continuaram discutindo se tinham ou não chance com o tal de Dante. O bartender ficou muito curioso, sempre ouvia esse nome, mas ele não sabia de quem se tratava, ele era uma pessoa muito alheia ao mundo, não assistia televisão nem lia notícias, tudo que fazia quando não estava trabalhando era dormir ou ouvir música, ou mais exatamente ouvir música enquanto cochilava no ônibus.
A agitação aumentou ainda mais quando um homem alto e largo, com maxilar quadrado e firme e com olhos de águia ornados por sobrancelhas grossas, entrou na boate, ele vestia um terno de linho preto e sapatos de couro. Sua presença era imponente, ele exalava poder e confiança.
A atenção de Ian foi capturada por tal homem, afinal ele era o homem dos seus sonhos! Ele queria ser como ele, ter o poder e o dinheiro que ele tinha, ele queria ser capaz de correr atrás de suas ambições e agarrá-las com todas as forças. Mas isso não passava de um sonho, uma breve e doce ilusão.
O homem deu uma volta pela boate como quem avalia o ambiente e se direcionou para a área VIP.
"Então esse deve ser o tal Dante, não é à toa que falam sempre dele."
Ian queria ignorar as fofocas que corriam ainda mais fervorosas depois da chegada do cliente VIP, mas era impossível, apesar da música alta da boate as pessoas gritavam aos sete ventos suas opiniões e suspeitas, ao menos se elas falassem assim toda vez que fossem pedir suas bebidas, Ian não teria que perguntar várias vezes.
O clima que estava agitado começou a ficar tenso quando a cantora, que iria se apresentar essa noite, não apareceu.
Uma reunião de emergência com alguns funcionários foi montada na sala de descanso.
— Porra, eu vou matar aquela vadia! — gritava Mariano o gerente da boate — Como ela me some assim?! Logo hoje, porra!!!
— Não tem ninguém que possa substituir ela? — perguntou Elen a bartender que trabalhava lado a lado com Ian.
— Você sabe cantar? — Mariano olhou com esperanças para Elen — Se você souber o trabalho é seu!
— Nem fodendo! — exclamou ela — Mesmo que eu soubesse eu não iria querer me apresentar logo na noite em que Dante está aqui.
— Por que não? — Ian perguntou confuso.
— Em que mundo você vive? — retrucou Elen — Dante é o homem mais poderoso da cidade, ouso dizer que ele é o dono da cidade e por isso se acha no direito de ter quem ele quiser na cama dele para usar e depois descartar, por isso quero ficar bem longe dos olhos dele.
— E você Ian? — perguntou Mariano — Conhece alguém que se arriscaria a cantar?
"Alguém que se arriscaria?"
Ian não entendia o risco e não entendia o drama, como uma pessoa podia ser tão poderosa assim? Mas uma coisa ele entendia, se ele pudesse substituir a antiga cantora, ele ganharia mais dinheiro e talvez até pudesse largar o emprego de merda no escritório de merda.
— Talvez eu conheça — respondeu ele.
— Quem? — perguntou Mariano ansioso — Será que ela chegaria a tempo?
— Ela? — perguntou Ian ansioso — Só pode ser ela?
— Você acha que Dante ia querer ver um marmanjo cantando e dançando no palco? — Mariano estava furioso — Claro que não! Ele quer mulheres bonitas que ele possa apreciar, então me diga, qual o nome da sua amiga?
— Ivy — respondeu Ian sem pensar muito onde aquilo o levaria — O nome dela é Ivy.
— O que você está esperando? Vamos atrás dela!
— Para a nossa sorte, ela já está aqui.
— O que você está esperando, então vai buscá-la!
Ian balançou a cabeça negativamente.
— Você é um puto desgraçado, me diz que tem a solução e não vai atrás dela?
Ian ignorou o bravejar do gerente e começou a mexer nas caixas que descansavam no canto da sala, era quase um mini depósito, ali eles guardavam todos os itens para as apresentações, ele tinha certeza que havia uma peruca guardada por ali. E ele não estava enganado.
A sorte lhe sorriu pela primeira vez no dia, ele encontrou não só uma linda peruca com fios longos e pretos, como também uma roupa que caberia perfeitamente em seu corpo esguio.
— O que você está fazendo? — sussurrou Elen, com medo pelo colega.
Ian não respondeu, ele apenas colocou a peruca e começou a se maquiar.
— Não, não, não — disse Mariano — Porra, isso não vai dar certo.
— Por que não? — questionou Elen — Ele é perfeito!
— Mas ele é um homem, caralho! Nunca vai conseguir se passar por uma mulher, ainda mais uma mulher bonita.
— Olha direito pra ele — Elen colocou a mão na cintura — Ele está mais feminino do que eu!
Mariano olhou para Ian, que estava finalizando a sua transformação e não conseguia acreditar no que via, ele sempre achou o garoto sem graça e sem vida, mas com a peruca e um pouco de maquiagem ele realmente parecia uma mulher bonita.
— Coloque a porra do vestido! — ordenou Mariano — Vamos ver como você fica!
Ele se trocou, sem se incomodar com as reclamações de Elen que fechou os olhos no momento em que ele começou a se despir. Ian não se incomoda que vissem seu corpo nu, afinal não havia nada ali além de pele como todo mundo, suas formas não eram bonitas nem atraentes, ele não despertaria luxúria em ninguém, por isso não se importava com quem o olhava.
Transformação inteiramente completa, Mariano e Elen não acreditavam no que viam, a pessoa a frente deles era totalmente diferente, havia brilho, havia presença, havia uma beleza exuberante.
— Você está quase me convencendo — disse Mariano pensativo — Agora cante!
Então ele cantou com um tom doce e forte, sua voz era grave, mas não era grossa, se passaria perfeitamente por uma voz feminina e era bonita e afinada.
— Parece que teremos uma bela apresentação hoje a noite — disse Elen batendo palmas.
Abertura no xadrez é a fase inicial da partida. Conjunto de movimentos do início do jogo que são estudados pelos enxadristas. As aberturas são catalogadas na ECO, segundo estilo de jogo e variações conhecidas.
Comments (12)
See all