Penetrando a escuridão com ternura, a luz da mansão revelava aos poucos, de primeira, um símbolo semelhante ao arco-íris da marca que fincava-se em uma pilastra principal, e dele jorrava um líquido azul neon que caia num pequeno lago que era acessível por escadas curtas. Quanto mais era aberto, eram desvelados os bancos enfileirados como de uma antiga igreja. A luz seguia direta, e o resto da sala não era totalmente visível. Então, Arthur, aquele que seguia na frente do seu filho Gabriel e do padre de óculos que os acompanhava, dava um passo à frente, juntava suas mãos e começava a recitar:
— Assim, da escuridão vazia que imperava nossa imensidão… — Era um trecho do início do Divinal. Totalmente reconhecível pelo Gabriel, até porque aquilo era amplamente conhecido pelo mundo pela forte influência da religião nos próprios costumes daquele povo. Racionando por dedução era notório que Arthur estava começando uma magia de iluminação, pois naquele mundo, as palavras deixadas naquele livro eram tão potentes que citações por aqueles ditos como "Serventes" fiéis faziam coisas inexplicáveis acontecerem, tais coisas referenciadas como "Milagres". — Surgiste do teu coração, um sopro que iniciava a separação. Então por empatia dos sem respiro de vida, abriste a boca e disseste: Brilhe! Respire e Brilhe!
Prontamente, a água brilhosa neon que permanecia no lago separava-se em pequenos fragmentos de luz que se espalham pelo salão, tudo que estava oculto se revela totalmente, de maneira educada, o líder virava para aquelas duas figuras e pedia educadamente:
— Senhores, se possível, seguimos. — Os dois assentiram e marchavam lentamente até chegarem ao lado do pequeno lago, então observavam uma pintura que representava a face de Sândalo de acordo com alguns pintores renomados da época de ascensão da igreja, ajoelharam com a mão no peito e em conjunto repetiam: — Louvado seja!
Se aproximando com um sorriso leve no rosto pelo que sucederia após tais cumprimentos, Arthur fazia a mesmíssima coisa, então, seguidamente levantava e ordenava o início do Ritual. O padre responsável pela oração que chamaria o espírito de Saint-Florença para habitar naquele lugar era Armando, conhecido nacionalmente como um grande fiel espelho para todos aqueles que pecam, o seguidor perfeito. Arthur, por ser muito protetor, tinha muito medo de algo acontecer com seu filho naquela transferência, portanto, convidar o mais competente era o mínimo para aquilo.
Gabriel se despiu por completo para entrar no pequeno lago e mergulhou dos pés à cabeça. A cada passo dado, um frio na espinha subia, principalmente ao recordar da situação com Raissa. A insegurança e a fraqueza daquele momento ainda o dominavam e a certeza de sucesso daquele ritual não era garantida, então além de imergir-se naquele líquido, Gabriel mergulhava no vazio existencial daquela repugnante sensação de culpa. De alguma maneira, aquilo não estava sendo doloroso para ele, sentir até que era bom. Vestir essa camuflagem era algo satisfatório, pois sentia verdadeiramente.
Armando direcionando seu olhar para o loiro de cabelos longos, que dava uma resposta com uma assentida dando a permissão para início daquele momento. Levantando seu braço esquerdo, revelando seu braço com a marca da vontade, o Padre com um olhar firme começava a gritar em alto tom:
— Bravo Saint-Florença, com seus portais internos da força oculta da fé, te convoco, te invoco, se coloque diante de vós e fortifique seu servo para resistir a lava mais profunda! — Enquanto Armando recitava a oração, as águas que Gabriel estava imerso começavam a borbulhar intensamente iniciando um processo — Pise! Pise! Pise! Destrua os empecilhos presentes no caminho que nos aguarda e mostre o segredo para que tenhamos um pouco da sua fé que nos abraça.
As bolhas da água fervida pela unção entravam num redemoinho em volta de Gabriel que aumentava a velocidade do giro com o avanço das palavras do Padre, que se aproximava do lago direcionando a palma da sua mão na qual anteriormente estava no ar para onde estava o jovem no lago. Ajoelhado no chão com um olhar preocupado, Arthur perseguia o corpo do filho que começava a brilhar e se contorcer no fundo daquele pequeno lago.
— Tu que sabes de todos os segredos do céu e da terra, atenda nossa prece e nos dê a oportunidade de poder viver firmemente sem obstáculos, os quebrando. — Nesse momento, surgiam vinhas azuladas que se espalhavam pelo corpo de Gabriel por todo canto desde a cabeça aos pés brilhando intensamente e também como ressonância a toda força que trazia na presença de Saint-Florença, o lugar começava a tremer loucamente fazendo as cadeiras saírem de posição e algumas pedrinhas caírem demonstrando a força. Arthur colocava a mão no chão, fechava os olhos e fazia esforço em citações em sussurro dizendo:
— A calma desvia a pressão da fúria. A calma desvia a pressão da fúria. A calma desvia a pressão da fúria.
Com isso, todo caos começa a estabilizar e utilizando toda sua habilidade para conter, gotas de suor caiam daquele dito como "o mais honrado das famílias".
— Assim, estando pronto. Recebereis a tua graça, o seu poder! — A garganta de Armando ardia após toda força que colocou nela, suas veias pulsavam de tanta certeza em suas santas palavras. A água presente daquele lago pulsava e subia espalhando em um grande impacto.
Embaixo d'água, por um instante, Gabriel sumiu.
***
Os olhos abriam.
Não estando mais submerso onde sentia o conforto da água que o envolvia, não sendo mais dominado pela energia agonizante que ainda não era evidente o porquê o cercava. Aquele jovem estava deitado em um ambiente em que não conseguia distinguir o tato. Como reação instantânea, a primeiríssima coisa que tenta fazer é olhar para sua marca da vontade, pois caso tudo desse certo iria estar brilhando com as cores que compunham o arco-íris. Fazendo isso, inicialmente nota-se algo estranho, seu braço que estava nu até então, agora mostra estar coberto por uma túnica branca, naquele momento, Gabriel estava vestido de vestes totalmente brancas e virando seu pulso para onde checar, ganha um susto espantoso...
A sua marca da vontade... não estava lá.
Na verdade, nenhum vestígio daquele traço tinha indícios de sequer ter existido. Os primeiros pensamentos que cercam a cabeça desesperada daquele garoto é se ele estava morto naquele momento? Levantando o tronco e ficando sentado naquele lugar desconhecido, tocava o corpo inteiro tentando entender se tudo aquilo era realmente real ou era tudo um sonho não lúcido impossível de distinguir com a realidade. Nada fazia sentido em qualquer pensamento lógico da ocasião.
Porém, uma coisa fisgou a atenção de Gabriel e fez ele entrar em guarda como um gato assustado pronto para atacar o inimigo que não tem nenhuma chance a qualquer momento. O garoto... não estava sozinho naquela imensidão branca que parecia não ter fim. Alguns metros, um homem com um peitoral gigante, musculoso e braços largos de aproximadamente uns 1,75 estava em pé com um pincel antigo na mão pegando uma espécie de tinta de uma bacia de ouro que tinha um brilho que nenhuma especiaria do mundo terreno teria. E a frente do homem, estava uma tela em cima de um suporte, no qual aparentava ser onde ele iria pintar. Além disso, mesmo com a roupa simples composta por uma camisa regata com as bordas rasgadas e umas calças que lembrava muito as calças de pijamas que usavam para dormir, todas essas peças brancas, o homem ainda tinha uma presença muito forte.
Levantando do chão lentamente com a cara de espanto enquanto subia seu olhar dos pés até o pescoço daquele ser a frente. Em sua vista, os pés calejados e firmes demonstrando um desgaste com as pisadas características, as panturrilhas e coxas malhadas que demonstrava uma força na parte inferior do corpo, os braços largos com marcas de chibatadas pelo julgamento que sofrerá na cidade de "Dioégiusto", no qual era sua Terra Natal. Aquelas marcas e a fisionomia apenas remetia as informações presentes no Divinal que Gabriel passara dias revisando sem parar.
— Rapaz. Invadiste meu lar para atrapalhar minha pintura?
Assustando levemente com seu tom forte na fala, Gabriel apenas retrucava indo para trás, tentando arrumar forças para olhar no rosto daquele que dissertava. Seria ele digno de tal feito? Ele não sabia. Mas a curiosidade de encontrar aquilo que o guiou até aquele momento movia mais-que-tudo, o seu interior.
Finalmente olhando para o rosto, via um rosto de um homem branco de olhos dourados, com um bigode característico e uma barba longa que era impossível de ser confundida após as descrições, seu cabelo calvo e um pouco da sua careca brilhante chamavam uma atenção única, além de seu grande machucado de pata de Leão que se ligava intrinsecamente ao seu maior feito, aquele era... Saint-Florença em pessoa.
Dirigindo em passos lentos para a tela no qual ocupava seu tempo, e virando-a rapidamente para Arthur, questionava com um leve sorriso no rosto demonstrando interesse no garoto:
— Ou melhor... você é a minha pintura?
No quadro indicado pelo homem, que o jovem olhava assustado, havia claramente Gabriel na mesmíssima posição e feição que estava, como se fosse uma espécie de espelho, porém numa versão pintada em tintas a óleo.
"O que está acontecendo?"
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