No escritório, sob a aura do entardecer que os banhava, um dos dois homens bateu na mesa, expressando espanto e fazendo com que alguns pingos de café da xícara fossem derramados sobre a mesa, enquanto proferia:
— Então, pera aí, quer dizer que, mesmo com tudo o que fizemos para acabar com eles, a seita tem aumentado cada vez mais?
— Sim. Nossa estratégia de atacar os líderes para amedrontá-los vem sendo inútil. Precisamos repensar isso.
— Tem algo em mente para agilizar isso? — Questionava Luiz, sentando-se novamente na cadeira e relaxando sua postura, enquanto Arthur se debruçava sobre a mesa com um sorriso malandro.
— É claro. Esse é um dos motivos de eu tê-lo chamado para essa conversa. Só que certas coisas me preocupam.
Por um instante, ao afastar-se, a face de Arthur moldava uma preocupação iminente, e era perceptível o receio de ser muito sincero e ferir o orgulho do amigo, que estava tão atento ao que ele iria falar. Porém, ele sabia que era necessário. Então, firmando seu olhar em um único ponto — o olhar curioso de Luiz — ele se fortaleceu finalmente e decidiu desvendar tudo de uma vez por todas.
— Meu plano será atacarmos a base deles e não deixar restar ninguém. Até mesmo aqueles que considerávamos inocentes e poupávamos. — Aquela frase era tão fria que se assemelhava ao desaparecimento do Sol naquele mesmo instante. Por fora, Luiz permanecia imóvel e atento, como se aquilo não significasse nada para ele. Contudo, em seu íntimo, ele recordava das cenas que o marcaram no último ataque aos seguidores de Naya. No salão principal, onde os guerreiros se encontravam, havia muito sangue e corpos no chão. No meio de tudo, Luiz permanecia de pé, exausto da batalha, até que certos barulhos o deixaram vigilante e pronto para atacar.
No entanto, eram apenas três crianças. Entre elas, um garoto caía ao chão com as pernas cruzadas, vomitando de susto e chorando pela perda de seu pai, que estava fatiado ao meio na escada, segurando um cajado mágico. Seguindo as regras da guerra estabelecida entre os dois lados desse confronto, que proibia cada um deles de matar inocentes, Luiz não reagia de forma alguma. Talvez não fosse apenas essa condição que o fez hesitar, mas também a lembrança das palavras de seu pai que o acompanhavam desde antes de conhecer Sabrina.
"Somos cegos, filho. Julgamos que o nosso jeito de pensar predomina perante todos eles. Só que estamos errados. Somos apenas invasores que não se permitem observar o quanto o próximo é semelhante a nós. Estou amaldiçoado por isso. Tentei me curar na época que conheci sua mãe, mas nada mudou. Infelizmente, eu não posso fazer nada por você. Apenas peço para que você saia da sua zona de conforto e decida por si mesmo se quer ser parte... ou não dessa maldição."
Luiz, que acreditava ter encontrado sua resposta, viu o conflito em sua mente ampliado pelas palavras do amigo. Mesmo escondendo, uma parte dele se perguntava até quando ele iria mentir para si mesmo. Até quando ele olharia no espelho e veria apenas o sangue inocente em seu paletó. Naquele momento, preferiu deixar suas reflexões para depois, e sua resposta foi tão vazia de emoções quanto a proposta de Arthur.
— Tudo bem, mas acha mesmo que teríamos chances a essa altura? Até aqui, só atacamos as bases secundárias e afastadas, por isso tivemos êxito. Além disso, eles têm ampliado seu exército; nada será tão fácil quanto antes. Nesse caso, precisaríamos de...
— ... Mais gente lutando do nosso lado. — Completava o loiro, com um rosto sério e concentrado.
— Estou ciente desse fato. Continuar lutando apenas com os líderes não vai dar certo. Por isso, pensei em usarmos nossos filhos, que já estão treinados, para irem até a batalha.
A reação foi instantânea; a perplexidade perante aquelas palavras fez o corpo de Luiz se levantar instintivamente. Aquilo foi a coisa mais absurda já pressuposta em anos dessa batalha entre os seguidores de Sândalo e Naya.
— Calma. Sei que parece sem sentido. — Arthur também se levantou, aproximando-se com as mãos erguidas, demonstrando vulnerabilidade — Mas veja bem, não é para isso também que treinamos nossos filhos? Para serem assim como a gente futuramente, não é?
A mão de Huberi repousava sobre o líder Buloke, mostrando uma intimidade naquele assunto de pais.
— Não distorça as coisas! — Batendo na mão de Arthur, Luiz continuou — Treinamos eles para autodefesa contra possíveis ataques em lugares públicos! O que fazemos não tem nada a ver com isso.
— Vê-se para de ser hipócrita e fantasioso! Ensinamos a eles nossos costumes, crenças, habilidades e treinamos todos os meninos para serem receptáculos perfeitos dos anjos guerreiros! Só estou propondo adiantar as coisas de uma vez! — O tom manso do dono daquele rosto carismático se transformava em uma expressão firme que mais se assemelhava a um rosto tirânico.
— Eu já conversei isso com o Gabriel e ele concorda, e está preparado para entrar para essa batalha contra aqueles imprestáveis. De longe, é o que eu queria, mas ele já está um homem crescido e a marca da vontade dele já está desperta. — A melancolia e a firmeza se misturavam naquele desabafo — Posteriormente, irei preparar o ritual para ele receber a graça de Saint-Florença e herdar os seus poderes. Penso que o ideal seria você já pensar em preparar o Raimundo também, pois, pelo que eu vi, ele nem despertou sua marca ainda, na idade dele, isso é preocupante.
Realmente, Raimundo, que acabara de completar dezoito anos, ainda não havia dado um impulso suficiente para fazer as cores de sua marca brilharem. Algo que, mesmo disfarçando, preocupava muito Luiz, pois ele cogitava que apenas a autodefesa e as artes marciais que o menino tinha conhecimento não seriam suficientes em um ataque da seita. No entanto, o pai do casal Buloke nunca quis envolver seus filhos no mar de sangue que emergia. Ele preferia carregar a dor para si e preservar aqueles sorrisos lindos e inocentes que o salvaram de viver apenas com a culpa. Isso era mais forte do que tudo e foi o que o fez aceitar a maldição com tanto afinco.
— Arthur. Você me desculpe. Entretanto, ainda não vou envolver os dois nisso. Como você disse, tanto Raimundo quanto Raissa não despertaram as cores das suas marcas e só iriam atrapalhar no campo de batalha.
O moreno andou até ficar ao lado do loiro, apoiando a mão sobre o ombro esquerdo dele.
— Por enquanto, vamos usar essa sua nova estratégia e lutar com o que temos de prontidão. Treinarei o Raimundo intensamente para ele despertar a marca e decidir futuramente o que seguir.
Arthur assentiu com a cabeça, compreendendo seriamente que a decisão de Luiz era a mais acertada a seguir. Consequentemente, ele disse:
— Impressionante. Além de ser um ótimo guerreiro no campo de batalha, você é um pai honrável, Luiz. — Virou-se para ficar de frente para Buloke, mantendo um tom heroico em sua fala — Respeito sua decisão! Por enquanto, continuaremos mantendo contato e planejando melhor nossos futuros passos. Tudo certo? — Finalizou Arthur, estendendo a mão para um aperto.
Entrando em consenso, os dois líderes apertaram as mãos, concordando que o caminho mais ideal para a vitória na guerra seria não deixar ninguém do outro lado.
Esse destino para eles não mudaria muita coisa, devido aos homicídios cometidos ao longo de suas vidas. Contudo, como seria para os jovens tirarem a vida do outro em prol de um ideal? Isso matava a alma de alguns e alimentava a ferocidade de outros. Era algo doloroso que pesaria em suas mentes e causaria traumas nunca antes vistos. Considerando que, até então, Raimundo e Raissa haviam recebido uma criação focada justamente nos princípios do amor e da compaixão que Sândalo e os discípulos compartilham em sua palavra, Luiz refletia sobre como poderia mudar essa questão sem envolvê-los diretamente nesse ciclo — o que seria impossível, dada a natureza sangrenta da frente de batalha. Ainda assim, enquanto essa angústia o afligia profundamente, algo contrastava com isso: a urgência e a iminência da guerra.
As coisas se complicaram, e as vitórias pareciam estar prestes a se tornar uma incógnita. Não dava para confiar que a paz entre as doze famílias e a segurança de não serem atacadas permaneceriam por muito tempo. Isso levava o pai a um único caminho para sanar todos esses questionamentos que o cercavam, que era encarar esse treinamento e ver se a realidade iria consumir seu ideal ou se o seu ideal de futuro teria alguma possibilidade de sobreviver.
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