Raimundo e os demais convidados do salão de cerimônia desceram as longas escadarias e se dirigiram aos seus respectivos cômodos. A mansão dos Buloke era imensa, com várias escadas imperiais de madeira e as paredes dos quartos eram predominantemente da cor vinho. Entre os lustres e lamparinas que decoravam os extensos corredores do local, havia inúmeros quadros criados por artistas do século XVI. Essas obras replicavam com o máximo de fidelidade possível o que era contado no "Divinal", um livro escrito por Sândalo, seus discípulos e seguidores mais destacados na fé. As ideias contidas neste livro eram transmitidas ao longo dos séculos entre os fiéis.
Enquanto os líderes das famílias conversavam no escritório entre si, suas esposas mantinham uma conversa na sacada. Na sala, os jovens estavam sentados: Raimundo e Raissa no sofá, e Gabriel na poltrona. O clima predominante no ambiente era um profundo silêncio constrangedor, já que as duas figuras não se conheciam. A primeira impressão de Raissa em relação ao rapaz loiro fazia com que a garota direcionasse seu olhar para a paisagem além da janela, com as pernas cruzadas e uma expressão de tédio.
O filho de Luiz, por sua vez, mantinha o olhar baixo, revelando um semblante sem graça, e suas pernas bambearam, evidenciando claramente seu desconforto perante a situação. Em uma tentativa de quebrar o gelo que se formara por acaso, Gabriel apoiou os braços sobre os joelhos e juntou as mãos sobre a boca, dizendo:
— O pai de vocês é realmente incrível. Fico imaginando o orgulho que vocês sentem dele. Não é?
Raissa engoliu em seco, sua primeira reação àquele tipo de pergunta que estava sendo feita repetidamente à dupla de irmãos pelo decorrer da noite. Chegava a ser irritante ter que estar sempre nas sombras do pai deles. O irmão, numa tentativa de mascarar o óbvio desconforto dos dois, forçou um sorriso e gaguejou em resposta:
— I-Isso! Sentimos muito orgulho do desempenho incrível que ele tem na batalha contra nossos inimigos! — Desviando seu corpo e cutucando a perna de Raissa, ele joga um peso da resposta para irmã — Não é mesmo, maninha?
— O quê?! — Assustada com o questionamento, Raissa olhou diretamente para o rosto de Raimundo e se sentiu atacada pela ferocidade daqueles olhos que estavam tão pequenos que se assemelhavam a de uma hiena faminta. Decidiu, então, ajudar o irmão a sair do constrangimento — Sim, realmente nós sentimos...
— Nossa! Imagino que para você realmente seja um orgulho, Raissa! — O jovem interrompeu a frase da garota de cachos e declarou, numa postura aberta, com os braços esticados — Ainda mais sendo adotada, tendo a chance de fazer parte de uma das dozes famílias, não é pra qualquer um.
O choque passou pelos dois irmãos como um raio que os atravessava. Ali, estava claro que o filho da família Huberi, por algum motivo, havia imaginado que Raissa não poderia ser filha biológica dos Buloke. Isso era algo que a dupla nunca imaginaria escutar de ninguém. Totalmente inconformada e desacreditada do que ouvira anteriormente, a garota levantou sua sobrancelha e abaixou a cabeça, com os cabelos cobrindo a expressão de raiva dela. As mãos sobre o joelho tremiam, e o irmão, percebendo todo aquele peso, segurava a palma da mão esquerda de Buloke.
Porém, não tendo percebido todo o incômodo do outro lado, por falar com tanta confiança, o loiro de boa estatura continuou:
— Digo. Acredito que isso não muda nada entre a gente. Com certeza, você herdará a garra de uma Buloke!
Simultaneamente, uma mulher branca com cabelos vermelhos e vestida como uma doméstica adentrava a sala. Ela segurava uma bandeja de metal com um bule de chá cheio e três xícaras para servir os senhores que estavam sentados no recinto. Com um sorriso no rosto e um tom reconfortante que poderia fazer qualquer pessoa se sentir em paz, ela disse: — Olá, meus queridos. Trago algo para refrescar ainda mais essa tarde maravilhosa: um chá de hortelã fresquinho. Quem gostaria de...
Passando em pura velocidade pela ruiva que discorria essas palavras, a jovem passou com lágrimas subindo aos olhos, causando espanto em Layla, que paralisou diante da cena. Gabriel, que antes estava todo pomposo falando sem pensar, agora refletia sobre suas ações, com um ponto de interrogação no lugar do rosto.
— O que aconteceu? Porque ela simplesmente saiu...
— A Raissa não é adotada! — Raimundo enunciou com firmeza na voz, enfurecido.
Ao perceber o que a garota realmente havia sentido ao ouvir as palavras que expressava com tanto afinco, a vergonha e o sentimento de culpa se apoderaram de Gabriel. Ele refletiu sobre seus atos e como havia sido mal-educado ao presumir coisas sobre as pessoas que o haviam recebido tão bem. Seu único pensamento era danoso, e tudo o que queria era pedir desculpas.
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