Todo sexto dia da semana Idris saía da parte alta da cidade e visitava a parte baixa. Embora ambas as partes fossem geograficamente iguais, a cidade tinha esses nomes pois na parte da alta da cidade viviam os reis e a nobreza, enquanto que na parte baixa vivam a população comum.
Idris costumava visitar a parte baixa da cidade, para ter notícias de como andava a situação da plebe e também para visitar as repartições do reino, tais como: bancos, casa da moeda e cartório e a sua parte preferida da cidade, o porto.
Dessa vez não foi diferente. Idris, a procônsul de Aurora, ou governadora, palavra mais usada no continente, desceu em sua carruagem real, mas desta vez tinha a companhia de Mikaela, que atualmente servia como alquimista chefe do império Poliano. Era comum que os cargos que importância do império, tais como: general, almirante, conselheiro, mestre do tesouro imperial, alquimista chefe, etc. fossem exercidos em Dália, a capital do império em Polian. Mikaela recebeu o convite especial de Idris e com o consentimento de Menetuf, o imperador, a jovem teve o privilegio de trabalhar fora da capital, para que pudesse servir de conselheira da governadora da província de Aurora.
Era final de tarde.
Idris e Mikaela caminhavam no cais do porto. As mulheres observavam a chegada e saída dos navios cargueiros e de transporte. O vento, passado sobre o oceano Atri’c levava para a borda da cidade um suave frescor, frescor esse que a mulher de cabelos ruivos adorava sentir.
O sol tocava o mar, fazendo o céu do horizonte ficar alaranjado e o mar refletindo seu brilho. Mikaela avistava dois barcos, um que navegava para Dasco e outro que se mantinha na rota para as terras selvagens.
– Esse lugar está calmo demais, nem parece um porto. – Disse Mikaela. – É sempre assim?
– Na primeira vez que eu vim não. – Respondeu Idris, atravessando a estreita rua pavimentada com pedras deformadas. – Estava tudo uma bagunça. Tinha muita gente gritando e vários operários carregando sacas e barris. Na segunda vez estava menos barulhenta, mas ainda era movimentada. A partir da terceira vez alguém da guarda real veio até a cidade e avisou, a partir desse dia sempre foi assim.
A procônsul parou em frente a uma loja de guloseimas, chamada: Marcos e Vil.
– Gostaria de um punhado desses damascos com mel. – Idris tirou da pequena bolsa de moedas duas moedas de bronze. Marcos, o homem que tinha seu nome no letreiro, pegou o dinheiro, Vil, que era apelido de Vilma, mulher de marcos, deu uma cotovelada na barriga do homem, que ao perceber de quem se tratava devolveu o dinheiro. – Coma. – Disse a feiticeira, dando um damasco envolto em mel para Mikaela. – O que achou?
A jovem mastigou a fruta por um tempo. Fez uma careta no primeiro momento, mas depois saboreou a fruta com mais vontade.
– É muito gostoso. De onde vem essa iguaria?
– Muito gostoso mesmo. – A governadora estava de boca cheia. – Essa fruta é bem comum em Artropos e Uruv’hel. É difícil achar essa guloseima em Aurora, por isso toda vez que venho aqui compro. Geralmente consumo dos garotos que vendem pelo porto, nunca reparei que naquela quitanda vendia. Vou mandar comprar aos montes para levar para o palácio. – Idris despejou mais umas cinco frutas na mão de Mikaela. – Chega de falar de mim, vamos falar de você. O que está achando de Aurora?
Idris e Mikaela se sentaram de frente para o mar, a fim de ver o final do por do sol. O vento, agora mais gelado, bagunça as mexas rochas do cabelo de Mikae, já em Idris, o vento provocava o tremular das mangas e das pernas de seu vestido verde claro.
– Tudo aqui é muito interessante.
– Interessante de peculiar, ou de bonito?
– De bonito. Aurora é um dos lugares mais bonitos que já visitei na minha vida… nunca visitei muitos lugares, deve ser por isso que estou tão maravilhada com tamanha beleza. – A jovem sorriu timidamente.
– Achei que gostaria de passear um pouco, por isso resolvi trazer você comigo. Sei que está focada no seu trabalho, mas um pouco de descanso é sempre bem vindo, não é mesmo?
– Claro que sim! – A jovem observou um grande peixe pular e depois mergulhar de volta para água.
– Vamos terminar nossa conversa mais tarde; pode ser? – Perguntou Idris ao reparar que Flavos se aproximava.
A governadora se retirou da presença de Mikaela e caminhou na direção do conselheiro e chefe da marinha de Aurora. Flavos caminhava devagar. O homem já não era moço, todavia não se encontrava em um estado crítico de velhice.
– Majestade! – Disse Flavos, fazendo uma reverencia.
– Não sou sua rainha, Flavos. – Respondeu Idris, inclinando a cabeça. – A que devo a sua visita? Geralmente não sai do seu escritório na base náutica.
– Vim lhe informar sobre as buscas que estávamos fazendo no mar.
– Estavam? Quer dizer que já não estão mais? – A feiticeira ficou com uma cara de dúvida.
– Majes… – O almirante ficou confuso. – Perdão. Como devo chama-lá?
– Pelo nome, mestre Flavos. Agora me diga, o que aconteceu com as buscas?
– Já faz vinte e sete dias que estamos procurando os corpos de seus amigos no mar e em toda a costa oeste. Não conseguimos encontrar um vestígio sequer. A essa altura já devem estar… – O homem foi interrompido.
– Mortos. – Idris completou a frase, após uns minutos de silêncio. A governadora suspirou e abaixou a cabeça. – Está bem! Pode parar as buscas por completo. Ordenarei que façam uma cerimônia fúnebre.
– É o melhor que a senhora pode fazer no momento. – Flavos tinha algo mais a dizer, porém tinha medo de tocar no assunto. – Idris?
– Sim.
– Você sabe que seu irmão, digo, o imperador, ordenou que eu enviasse navios para a costa de Antífes?
– Certamente. Acho uma ideia muito ruim, para falar a verdade.
– Posso ser sincero com você?
– Não esperaria outra coisa de meus conselheiros a não ser isso.
– Não acho que deveríamos fazer isso. Não no momento. Acabamos de tomar este lugar e ainda estamos enfrentando o problema da resistência do sul. Mandar homens para outro lugar seria como dar brecha para os rebeldes tomarem a capital novamente.
– Isso é muito importante. Preservar pelo menos a capital deve ser nossa principal preocupação.
– Concordo plenamente. Meus engenheiros estão trabalhando dia e noite para produzir material de guerra capaz de concorrer com os de Antífes. Outros pesquisadores estão produzindo algo inovador, algo que gostaria que fosse usado nessa invasão, o que não será possível se nossos soldados partirem antes da pesquisa e dos testes acabarem.
– Vamos suspender essa ordem. Não permita que nenhum navio de guerra saia em direção a Antífes. Minha nova alquimista chefe também tem preparado coisas novas para essa guerra, coisas que farão os homens de Eduardo cairem aos nossos pés. – Idris virou-se na direção de Mikaela. Flavos também direcionou o olhar para a jovem.
– Ir de encontro com as ordens do rei é algo muito sério, até mesmo para nós, e essa garota? O que tem de tão especial nela, para que ela consiga produzir algo tão poderoso assim.
– Se tratando da ordem do rei, vamos dizer a ele que houve um imprevisto, quanto a garota, ela tem algo que você e eu jamais adquirimos e nossa vida toda. Um vasto conhecimento alquímico, o maior que eu já vi. Estamos combinado?
Flavos ficou indeciso. Sabia que se fosse descoberto poderia ser julgado por traição a coroa, ou até mesmo ser morto sem julgamento. Idris mantinha um olhar fixo no homem, um olhar que ao seu ver parecia ser intimidador. Depois de tanto pensar o almirante resolveu responder.
– Plenamente.
– E Flavos. – Disse antes do homem se retirar.
– Sim.
– Não se esqueça que esse vai ser o nosso segredo.
– Perfeitamente.
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