Medo; solidão; frio. Três sensações que Fiorella já havia sentido na vida, porém nunca todas de uma só vez.
O lugar estava completamente escuro. Estava acorrentada junto a parede, com correntes que tinham a base bem firme no chão. Estava cansada, com fome e sem poderes, sabia que se tratava de correntes com pó de esmeralda. A única coisa que conseguia ouvir eram as batidas do martelo na madeira, que soavam constantemente. A chuva forte não deixava a prisioneira ouvir mais nada.
Algumas pingos da goteira caíam pausadamente no seu ombro direito, algo a irritava profundamente. Fechou os olhos por um instante, imaginou como faria para sair de tal emboscada, mas antes de tudo se perguntava como havia ido parar em tal situação.
Não se lembrava de muita coisa, tudo o que conseguia lembrar era de estar no navio com Odilon e Polipedes e depois, como num passe de magica, acordar com frio e acorrentada.
– Eu sei como é a escuridão. Da agonia não poder ver nada ao seu redor. – A voz vinha do fundo da sala. – Você pode mudar essa situação… Fiorella. – Uma luz azul brilhava enquanto caminhava na direção da jovem.
– Você… eu me lembro de você. – Sussurrou. – No navio… Adanahel… foi você que me empurrou naquele portal negro. – Frella tossiu secamente. – Por que?
– Por diversão. – O gigante deu um sorriso irônico.
– Não. Tem um motivo… eu sei que tem.
– Porque eu queria enfraquecer o espírito de vocês. Quebrar a esperança, estilhaçar a coragem, dizimar as chances de conseguirem me derrotar.
– Então é isso. – A menina sentiu o catarro em sua garganta e cuspiu. – E funcionou?
– Me diga você. Quando foi a última vez que viu a luz do sol? Qual foi o último dia que comeu uma refeição saudável e saborosa? Qual foi a última vez que pode ver o seu amado?
Frella deu um forte passa para frente, mas as correntes a impediam de chegar perto de Adanahel. A jovem cuspiu no chão e lançou um olhar de desprezo para o gigante de gelo. Adanahel sorriu com mais ironia.
– Já disse que você pode mudar sua situação, Fiorella. – Continuou.
– Vá se ferrar.
– Como pretende sair daqui?
– Ainda não sei, mas não será com a sua ajuda.
– Pense bem. Basta fazer o pedido que eu lhe devolvo em segurança para os braços de Odilon. Faço vocês três reaparecerem em Aurora sem nenhum arranhão.
– Você não faria essa gentileza toda em troca de nada, uma vez que foi você que me pôs aqui. Então diga… qual é o preço? O que eu tenho que fazer?
– Foi uma bela observação da sua parte. Eu tive o poder para te trazer até aqui e tenho poder para te tirar daqui, mas… como você mesmo já disse… tem um preço. – Adanahel se aproximou de Frella e fitou seus olhos nos dela. Sentia o medo que no olhar dela. – Eu sei que vocês estão em busca de algo. Me diga o que é. Também quero saber tudo sobre essa viagem que estavam fazendo, para onde estavam indo, o que buscavam, tudo. Assim que me disser tudo, reunirei vocês três novamente.
– Então é isso. Quer saber o que eu sei. Você me parecia um grande mago. Todo esse poder que exala de você e do seu cetro me deixou fascinada. Você abre e fecha portais com muita facilidade, se teletransporta com classe… tem muitos dons, mas não consegue descobrir simples informações. Sabe, Adanahel, para um grande mago você está sendo bem medíocre. Quer saber o que eu sei… entregue a garota. Devolva Sotrel para Odilon e eu lhe conto tudo.
Adanahel deu um forte tapa no rosto de Frella. A jovem cuspiu saliva e sangue.
– Acha que estou sendo medíocre, sua vadia. – O gigante agarrou o pescoço da jovem. – Eu poderia te destroçar com um dedo apenas. – Adanahel soltou o pescoço da jovem.
– Vou te dar um então, para ver se sua palavra é verdadeira. – Frella respirava desajeitadamente, após ter perdido o fôlego nas mãos do gigante de gelo.
– Você se acha invencível… mesmo sem seus dons. Vamos ver se vai se achar tão incrível assim quando eu acabar com seu namoradinho e jogar o corpo sem vida dele bem aqui aos seus pés.
– Não, – Frella começou a chorar. – por favor! Não machuque ele. Eu imploro.
– Sabe o som que você escuta? É o palco que estão montando para a sua execução. Aqui em Yetta magia não é permitido e você mostrou para eles que é muito boa em feitiçaria. Acho que você deveria implorar pela sua vida e não pela vida de Odilon, deixa que com a vida dele acabo eu.
– Você não teria coragem…
– Não preciso de coragem para matá-lo. Preciso de poder e isso… eu tenho de sobra.
– Vai se arrepender Adanahel. Escuta o que eu estou te falando. Você vai perder essa guerra.
– Conte o que sabe, Fiorella. Livre-se da morte prematura. Diga para onde estavam indo, o que estavam buscando e eu levo vocês de volta para casa. Você não tem muito tempo, aceite minha proposta, o tempo está se esgotando.
Adanahel bateu seu cetro no chão e desapareceu. Frella tossiu e voltou a ficar na escuridão.
…
“Esse é o lugar mais lindo que já vi na minha vida. Tudo é parece ser perfeito. O sol brilha intensamente no céu claro, os pássaros cantam suas alegres melodias, o vento sopra suavemente… os deuses realmente capricharam nesse lugar.”, pensava Odilon. “Não sei como alguém pode ter problemas morando nesse lugar.”
– O problema é que eu vivi aqui minha vida toda sem poder sair.
Odilon se espantou com a resposta de Niara.
– Estava… – O príncipe foi interrompido.
– Lendo sua mente. Sim. – Niara sorriu. – Eu posso fazer isso.
– A quanto tempo esta lendo a minha mente?
– Essa foi a primeira vez. Você estava muito calado, então resolvi espiar o que estava pensando.
– Não acredito. Isso foi pura sorte.
– Sorte? Acha que eu ia saber o que estava pensando por pura sorte? Pense em um número, qualquer número.
Odilon fez um uma expressão pensativa.
– Sete. – Adivinhou Niara.
– Impossível. – Odilon ainda não conseguia acreditar. – Tente novamente.
– Sete. Você continuou pensando no mesmo número.
– E agora?
– Pare de pensar no mesmo número. – Niara deu um leve empurrão em Odilon. – Seu bobo.
O príncipe sorriu.
– Falta muito para chegarmos nesse portão? Estamos andando nesse lugar desde de manhã. O sol já está no meio do céu e nos ainda não chegamos. – Odilon bebeu um pouco de água.
– Estaremos perto depois que atravessamos o rio.
– E falta muito para chegarmos a esse tal rio. Preciso encher meu odre de água novamente.
– Não sei. A essa hora já tínhamos que ter atravessado o rio, mas parece que nós nos perdemos.
– Deixa eu ver se entendi. Você mora aqui a sua vida toda e não sabe para que lado fica o portão de saída? – Odilon resmungou algo.
– Não é bem assim… eu sei onde fica, mas parece que tem alguma força mudando o caminho de lugar constantemente.
– Como se alguém estivesse impedindo a gente de chegar a saída?
– Sim. Fique aqui e aguarde um pouco. Vou caminhar nessa direção para ver se encontro o rio.
– Não é meio perigoso ficar aqui sozinho?
Niara fez um gesto com as mãos e sussurrou algumas palavras. Uma luz violeta saiu de suas mãos e se espalhou pela floresta.
– Agora você está protegido. Se alguma coisa, ou alguém tentar te atacar o jardim vai te protejer.
– Mas e se… – O jovem foi interrompido.
– Você é um guerreiro. Use sua espada. Não vou demorar, Odilon. Aguarde aqui. Devo voltar em meia hora no máximo.
Odilon ainda não estava satisfeito, porém não tinha outra escolha a não ser esperar pacientemente a volta de Niara. O príncipe ficou alerta. Sacou sua espada e começou a andar de um lado para o outro, como se estivesse de guarda. Não sabia os perigos que aquele lugar trazia, pois embora fosse um lugar paradisíaco também devia haver animais perigosos pelas redondezas.
O vento se tornou frio. Odilon caminhou para a esquerda, deu meia volta, virou-se para a direita e deu de cara com Adanahel. O gigante estava em pé, imóvel. Da esfera azulada de seu cetro saía fumaça.
Odilon se pôs em posição de ataque, o gigante permaneceu parado no lugar. O local estava completamente parado no tempo. As aves no céu estavam imóveis, as árvores não dançavam a dança do vento, as folhas do chão na se moviam com a brisa gelada que soprava.
– Príncipe.
– Você… foi você quem invadiu o castelo em Antífes. Você estava no barco também.
– Aquele lugar nem de longe parece um castelo, mas você tem razão, fui eu sim.
– O que você quer?
– Respostas.
– Eu não tenho nada para você.
– Tem sim. Para onde vocês estavam indo naquele barco? O que estavam procurando?
– Então é isso? Todo esse trabalho para isso? Se eu disser o que sei o que eu ganho?
– Poderá voltar para casa. Eu levo de volta para Aurora você, Polipedes e Fiorella. Basta me contar o que sabe.
– Então é esse o seu joguinho, mexer com nosso emocional. Eu não preciso da sua ajuda para sair daqui, Niara está me ajudando.
– Sério? Diga-me, ela já te contou a verdade?
– Do que está falando? Só precisamos matar o guarda do portão.
– Tolo. – Adanahel sorriu. – Niara não pode sair desse jardim, se isso ocorrer todo esse lugar morre e talvez ela morra também, uma vez que sua alma está associada a esse lugar.
– Mentira. – Gritou Odilon, dando um passo para frente. – Isso faz parte do seu jogo.
– Quem dera fosse, príncipe, mas é a pura verdade. Assim que vocês passarem por aqueles portões, se passarem, Niara vai começar a se deteriorar de dentro para fora, na mesma medida em que o jardim for se decompondo. Diga o que sabe. Poupe a vida dela. Se me contar o que sabe eu levo você de volta para Aurora.
– Devolva a minha filha. Devolva Sotrel e eu lhe conto tudo.
– Você teve sua chance, Odilon. Podia estar com sua filha agora, mas preferiu o caminho mais difícil, agora… agora não posso devolve-la.
– Vai se ferrar! Não vou dizer nada, a não ser que você devolva a minha filha.
– Sabe… mesmo quando estão separados vocês pensam da mesma maneira. Sua namoradinha disse a mesma coisa antes de eu deixa-la acorrentada para morrer.
– Frella… o que você fez com ela?
– Nada. Se ela tivesse concordado em me dar as informações que eu pedi teria a levado de volta para casa, mas…
– Seu monstro. Por que está fazendo tudo isso?
– Porque você não entregou ela! – Gritou o gigante de gelo.
– Então é isso? Tudo isso e por causa de Polipedes?
– Você só tinha que entrega-la e tudo estaria resolvido, mas você preferiu se unir a ela e agora todos vão morrer. Por sua culpa.
– Não ponha a culpa em min, Adanahel. Você já nasceu como um perdedor.
– Yavel não é a pessoa que você pensa, Odilon. Mais cedo ou mais tarde você vai acabar descobrindo a verdade. No momento você tem a opção de salvar seus amigos, não seja tolo como Frella. O tempo é curto. Se você escolher sair por aquele portão vai acabar matando a todos. Frella, Niara, Polipedes… Sotrel.
Odilon correu na direção de Adanahel e desferiu um golpe nas costelas do gigante. A espada se chocou na armadura, produzindo um grande som metálico. Adanahel deu um chute nos peitos de Odilon o lançando para longe.
O príncipe caiu de bruços. O gigante caminhou lentamente na direção de Odilon, o pegou pelo pescoço e o arremessou novamente. Odilon se chocou contra uma árvore e caiu sentado com as costas encostada no tronco da mesma. Adanahel se aproximou novamente, estendeu seu cetro e apontou diretamente no peito de Odilon.
– Eu não vim aqui lutar, Príncipe, mas se você insiste… – Adanahel encostou a ponta de seu cetro no coração do jovem.
Odilon sentiu o frio absoluto percorrer todo o seu corpo. Sentiu uma dor agonizante. Gritou o mais alto que pode, mas a dor não parava.
Adanahel desapareceu e o local voltou a se movimentar novamente. Niara apareceu. Sentou-se ao lado do jovem príncipe, pôs as mãos sobre sua cabeça e fez a dor parar.
– O que aconteceu? – Disse Niara.
– Recebi uma visita indesejada.
– Foi um gigante de gelo.
– Como sabe?
– Eu conseguia sentir a energia, mas estava paralisada, por isso não consegui voltar para te ajudar.
– Ele disse que você esconde algo.
Niara se calou.
– É verdade? – Continuou Odilon.
– Você precisa repousar. Vamos ter que nos abrigar em algum lugar.
– É verdade? – Insistiu o príncipe, aumentando o tom de sua voz.
Niara desviava o olhar, parecia não querer falar da situação.
– Se você não me contar a verdade não vou te ajudar a sair daqui.
– Está bem. – Suspirou. – Primeiro vamos encontrar um lugar para passarmos a noite. Não vamos conseguir atravessar o rio essa noite e você precisa descansar.
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