Não fecharam as cortinas na noite anterior (estavam ocupadas com outra coisa) e Lari foi a primeira atingida pelos raios de sol, acordando devagarinho enquanto sua cabeça protestava com uma moderada ressaca. Lô ainda dormia pesadamente, e Lari se permitiu passar uns minutinhos ali, sentindo a respiração na sua nuca e os pés da garota apoiados de leve sobre a ponta da sua cauda. CAUDA!? Levou a mão à cabeça e confirmou seu medo, sentindo os longos chifres em meio aos cabelos. Por que tinha voltado à sua forma original tão cedo? Ainda deveria ter energia para mais uns dias de glamour. Levantou da cama com cuidado, fazendo o possível para não acordar Lô, pegou o celular e correu em passos silenciosos para o banheiro.
Depois de trancar a porta se olhou no espelho e tentou visualizar sua aparência sem os chifres e a cauda. Não se sentia enfraquecida, então deveria ser capaz de usar o glamour, mas com o coração disparado era como se seu poder lhe escorresse pelos dedos, sem conseguir manter o controle. Ligou para a irmã, que, depois de alguns segundos que pareceram uma eternidade, atendeu com voz de sono:
- Espero que seja importante porque hoje eu queria dormir até o meio dia.
- É muito importante - disse Lari, sussurrando - eu tô na casa da Lô e…
-Ah garota! - a voz de Manuela pareceu muito bem acordada de repente - Tá se sentindo melhor? Vai manter ela como lance fixo?
- Não, não! Não aconteceu nada ontem. A gente tava bêbada e ela quis ir dormir logo…
- Então o que foi?
- Eu tô presa na minha forma original! Eu devia conseguir usar o glamour mas não consigo!
- E a menina viu?
- Não, ela ainda tá dormindo e eu me tranquei no banheiro.
- Pois me manda o endereço daí ou a tua localização por mensagem que eu vou o mais rápido que - a fala de Manu foi interrompida por batidas na porta do banheiro.
- Lari? Tá aí? - a voz de Lô perguntava do outro lado da porta.
- Te ligo já. - Sussurrou Lari para a irmã no celular e encerrou a chamada. - Oi Lô, tô aqui.
- Tá tudo bem? Tá falando com quem?
- Tava só...atendendo uma ligação. Jajá eu saio.
- Ok, vou fazer um café enquanto isso, aceita?
- C-claro, brigada.
Quando ouviu os passos de Lô se distanciando, Lari mandou sua localização por mensagem para a irmã e voltou a tentar usar seu glamour. Mais alguns minutos se passaram e nenhum resultado. Lari percebeu que estava tremendo. Na primeira vez que se conectava com uma humana desse jeito, seu corpo a traía dessa forma. Estava quase chorando quando ouviu mais umas batidinhas na porta.
- O café tá pronto, viu? Tu tá aí faz um tempão, tá precisando de alguma coisa? - Lô perguntou.
- Tá, eu só...não posso sair ainda.
- Ei, sobre ontem, eu queria pedir desculpas por qualquer coisa. - A voz de Lô ficou um tanto mais mansa. - Eu não quero que pareça que eu não tô interessada, porque eu tô. E eu espero que tu esteja também. Eu só tava com essa sensação de que talvez tu estivesse fazendo por pressão ou algo assim e eu quero deixar bem claro que eu não quero te pressionar, a gente pode ir no teu ritmo.
Caramba como a garota era certeira. Talvez fosse a hora de arriscar.
- A verdade é que… eu não gosto muito de sexo. Tipo, sim, tem o prazer e tal, mas eu acho um tanto desconfortável e eu preferia não fazer…
- Então você é ace?
- Ace?
- É. Assexual. É como se chama pessoas que não sentem essa atração toda por sexo. Não sei muito sobre, mas sei que tem vários tipos diferentes.
- Oh… eu não sabia que tinha nome pra isso…
- Tem, e não é nenhum problema pra mim, sabe? Tô feliz que tu tenha me contado. Você não precisa se forçar a nada.
Lari repetiu mais uma vez baixinho pra si mesma. Assexual. Havia um certo conforto em finalmente dar um nome. Mas havia mais profundidade nessa conversa e Lari sabia que não podia parar por aí.
- Tem outra coisa, Lô…
- O quê?
- Eu posso ser… assexual… mas eu preciso me forçar a transar sim.
- Ué, por quê? - perguntou Lô.
- Acho que é mais fácil se eu te mostrar…
Lari destrancou a porta e abriu. Lô estava sentada no chão do corredor de frente para o banheiro, duas xícaras de café repousando ao lado dela, e levantou surpresa assim que viu a súcubo na sua frente.
- Lari...?
- Essa sou eu, de verdade. - Lari teve dificuldade em manter seu olhar nos olhos de Lô, mas se esforçou como pôde. - Eu sou uma súcubo. Eu PRECISO de sexo.
- Então aquele sonho que eu tive…
- Era eu. Desculpa por entrar na sua cabeça sem permissão.
- Lari, eu...eu não sei nem por onde começar…
- Não precisa dizer nada, a minha irmã deve chegar daqui a pouco. Ela é muito boa com hipnose, num instante será como se tu nunca tivesse me conhecido.
- O quê? Não! Eu não quero te esquecer, eu quero te conhecer melhor! Eu já queria antes, mas agora que tu se abriu desse jeito pra mim eu não posso só dar as costas!
Lari foi pega de surpresa. Isso não tinha nada a ver com o que a mãe e a irmã diziam que aconteceria se elas fossem descobertas. Não era pra haver medo, repulsa, ou qualquer coisa do tipo? Lô deu um meio passo pra frente e ergueu a mão em direção a ela:
- Eu posso tocar?
Lari fez que sim com a cabeça e Lô tocou seu chifre devagarinho.
- Como você faz pra esconder esses?
- Glamour. É...basicamente magia, mas eu preciso estar com as baterias carregadas pra usar direitinho.
- E você rouba a... vida das pessoas mesmo ou...?
-Não, não. O processo não faz mal pra humanos…
-Então - Lô segurou as mão de Lari - eu não tenho do que ter medo.
- M-mas eu sou um monstro…
- Se você é um monstro, é o monstro mais lindo que eu já vi. É um monstro que tira fotografias incríveis, tem dois pés esquerdos pra dançar e é uma excelente ouvinte que faz eu me sentir interessante em qualquer besteira que eu fale. Se você realmente não quiser ficar comigo eu vou entender, mas por favor não se sinta mal por ser o que você é. Até agora eu amei conhecer Larissa, a súcubo assexual, e eu adoraria continuar conhecendo.
Lari caiu no choro e se deixou embalar pelos braços da humana, esquecendo completamente do café que esfriava.
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