Depois de receber tratamento ficou deitada o dia inteiro. Já era tarde da noite quando resolveu dar uma volta pela cidade e refletir. Longe das grandes cidades-estados a noite era um espetáculo, o céu ficava mais estrelado e as duas luas pareciam ficar maiores, brilhando de maneira mais intensa. O tom azulado de Maravilha dava um tom misterioso à noite, sempre ouviu dizer que é uma das fontes de onde os magos tiram energia, já a luz Branca e intensa do Andarilho mantinha a noite bem iluminada. Ambas tão lindas, difícil imaginar o quão perigosas podiam ser. Quando se encontram o eclipse gerado é um dos fenómenos mais perigoso do mundo, a magia se amplifica assim como as forças obscuras que existem no mundo ganham força e eventos catastróficos acontecem. Viajando como caçadora de recompensas viu lugares que foram dizimados pelas craituras do sangue, pelos filhos da noite e os seres Vanerianos durante o eclipse. Sabia muito bem o quão perigoso era, mas nunca teve medo do evento, nunca teve medo dos desafios que Constela oferecia.
Sentia o corpo doer dos golpes daquele monstro, se perguntava se o contrato valia a pena. Garotos com heranças esquisitas e um Monstro com aparência de uma moça delicada. O alvo não tentou machucá-la só se defender não combinava muito com o que dizia a carta de recompensa. Assim como a garota monstro não hesitou em atacar, entretanto pegou leve e prestou socorro depois de tudo poderia ter matado Lucia se desejasse. Depois ainda veio com aquela conversa estranha sobre também ter tido a impressão errada no começo, mas que Adael era alguém que nunca seria capaz do que estava sendo acusado. Gente esquisita, o mundo era cheio de gente esquisita, mas estava hesitando em completar essa carta.
Tudo era estranho, queria não ter pegado esse trabalho. Se fosse verdade, como poderia deixar um assassino escapar por sua incompetência ou inocência em acreditar nos fatos. Todavia, se não fosse, estaria cometendo uma injustiça. Aquilo estava a atormentando, não gostava disso. Os trabalhos eram sempre simples. Os tipos que prendia eram sempre nojentos e não gente que a fazia questionar seu trabalho.
A movimentação que tomava conta da cidade durante o dia pela feira agora se concentrava na estalagem. Tudo estava tão vazio e silencioso que podia ouvir seus pensamentos ecoando pelos becos e ruas. Encontrou uma pequena praça arborizada perto da prefeitura. Arvores e arbustos com as folhas bem aparadas; um jardim bem cuidado com flores amarelas pequenas e delicas tornava a praça charmosa. Bancos feitos de ferro e tabuas estavam distribuídos embaixo das arvores estrategicamente, sentou-se e ficou sentindo a brisa fresca tocando seu rosto.
Ouviu passos, ao virar-se viu o alvo se aproximar. Ele estava com vários curativos e ataduras, o machucara bastante, vinha devagar sua expressão demonstrava que sentia dor ao caminhar.
-Desculpe, eu não queria te assustar. Não se preocupe eu vou ficar longe para que você não ache que estou tentando te atacar nem nada. – O garoto disse de maneira calma tentando se mostrar inofensivo. –Olha, eu vim conversar. A gente não pode fazer isso antes. –Fez uma pequena pausa esperando a sua reação. – Se puder me ouvir antes de tomar sua decisão eu agradeço. Se quiser me levar depois de tudo isso eu vou entender
-Tudo bem, eu vou ouvir o que você tem a dizer. Se não for suficiente eu te levo preso. –Se tivesse certeza do que estava fazendo não sentiria culpa em prendê-lo e se livraria do estresse. –Pode se aproximar Solomon. Eu já te derrotei com você inteiro, do jeito que você está não vai ser difícil repetir. Você não me intimida.
O garoto se aproximou e sentou-se ao seu lado, viu em sua expressão que sentiu bastante dor, mas que tentava se manter sério e não passar o quão patético estava. Era engraçado vê-lo tentar impressioná-la. Ele parecia ser um pouco mais novo que Lucia, corpo atlético e altura mediana. Cabelos castanhos escuros, curtos e meio bagunçados formando pontas para varia direções diferentes, olhos verdes bonitos profundos que roubavam a luz, seu rosto era feito de linhas retas e bem anguladas algo que ficava no meio termo entre o robusto e o delicado.
-Eu não gosto de ferir pessoas sem motivos. Você acabaria comigo de qualquer jeito mesmo. Mas eu resisti bastante, isso você tem que admitir. –Disse enquanto encarava o chão e ao finalizar a frase olhou nos olhos dela e deu um sorriso pequeno e contido. –Desculpe-me por ter causado tantos problemas e pela Ingrid. Ela só estava tentando me proteger e disse que se esforçou pra não te machucar... –Fez uma pequena pausa seguida de uma risadinha- Muito!
Adael emana uma aura gentil, mas podia vem em seus olhos grande mágoa. Talvez aquela situação não fosse terminar como esperava. Odiava a possibilidade de ter errado. Mesmo assim manteve a feição ríspida, não queria demonstrar simpatia tinha que ser neutra ao que estava acontecendo.
-Eu parei pra pensar e vi que vocês só estavam se defendendo. Contudo, isso não muda os fatos. -Disse em tom severo. Seu estado atual não mudava o passado. -Aquela garota morreu e você tem uma recompensa pela sua cabeça. O que aconteceu com sua irmã? Por que os cruzados te querem?
-Minha irmã morreu fazendo o que treinou pra fazer, derrotando um monstro e salvando alguém. Ela me protegeu até o final, mas eu fui covarde e fugi da situação. –Ele ficou serio ao falar do assunto, era claro que sentia grande dor com o assunto. -Eu não tirei a vida dela, mas sou o culpado da sua morte. Eu não fui capaz de encarar as consequências.
-Consequências? É bem raro os cruzados botarem uma recompensa por alguém que não é um dos monstros que eles caçam. O que você tem de especial?
-Meu pai me quer lá, ele quer saber o que aconteceu, mesmo que pra descobrir isso signifique me levar a julgamento. –Ele parecia nervoso e frustrado, disse aquelas palavras de maneira atropelada. Realmente não conseguia lidar com aquilo. Porém, seu tom mudou para algo calmo e melancólico. –Eu não sei se consigo encará-lo. Minha irmã correspondia a todas as expectativas dele e eu a nenhuma. Ele não vai se importar se ela morreu me protegendo, ela vai ter falhado com ele por ter morrido e me protegendo o que é pior ainda. Eu não consigo ser o que ele espera de mim e agora tenho que carregar o fardo de ser o que sobrou. Eu não to pronto pra encarar ele e aguentar isso, não to pronto pra ouvir o que ele tem pra falar dela e o que vai achar de mim.
Quando terminou de falar Adael desabou sobre os próprios ombros, tudo que conseguia fazer era encarar o chão pensativo. Lucia era capar de ver o que passava pela cabeça dele, imaginando todos os cenários de quando visse o pai pela primeira vez depois do ocorrido.
-Seu pai parece ser alguém difícil de corresponder pra você ter tanto medo do que ele vai pensar de você e dela.
-Ele tem uma visão de mundo dura. Segundo ele não importa quem você seja, quanta força, poder ou influência carregue nunca vai estar preparado pra esse mundo. Ela ter morrido e eu fugido só é prova disso. Talvez eu devesse ir encará-lo, não posso ficar adiando isso pra sempre.
-Eu estava errada sobre você afinal. Mas, tem algo que não encaixa nisso tudo. Quem assinou sua carta de recompensa foi o Profeta e eu não acho que ele seja seu pai.
-Não, meu pai é Arthur Solomon. Isso é realmente estranho. Não tem motivos pro Profeta querer que eu seja julgado. Eu nunca nem mesmo falei com ele e minha irmã não era uma de suas subordinadas. Não consigo imaginas os interesses dele nisso.
-Eu tenho uma última pergunta Solomon. Você pode escolher não responder se quiser. Eu já decidi que a escolha de ir até a capital lidar com sua carta de recompensa é sua. Sua irmã deu a vida dela pela sua, por mais que você não corresponda às expectativas o do seu pai, você tem que dar um motivo pra estar vivo e ela não. O que vai fazer com sua vida?
O silencio tomou conta por um momento. Já não o via da mesma forma. Realmente a conversa tomou rumos que não esperava, foi surpreendida e não ficou frustrada, mas inspirada por Adael. Enquanto esperava pela resposta Lucia teve seu peito tomado por uma chama que não conseguia explicar. Ele era muito mais do que ela pode imaginar e a deixou intrigada.
-Meu pai não estava errado. Realmente ninguém está preparado pra esse mundo. Contudo, ele se esqueceu de algo. Eu sobrevivi porque tinha alguém incrível ao meu lado naquela noite. –Os olhos dele se acenderam em determinação. Ele levantou a cabeça e começou a encarar os céus como se pudesse ver algo que ela não era capaz. Um destino claro e palpável tão real quanto o banco em que se sentavam. - A pior parte de perder minha irmã foi vagar sozinho até encontrar esse lugar. Eu vou superá-lo, vou achar pessoas com as quais me importo, vou protegê-las e elas farão o mesmo por mim. Vou me tornar alguém que ele nunca pode imaginar. Vou me cercar de pessoas excepcionais, que vão ajudar a me tornar a melhor versão de mim e eu retribuirei. Ninguém pode estar preparado pra esse mundo, mas não precisa estar sozinho.
Já não se arrependia mais de ter pegado o trabalho. Tinha achado alguém único. Pode ver em sua frente uma determinação singular, uma determinação capaz de dobrar o mundo.
-Você me deu uma resposta única Solomon. Eu não sigo os deuses, mas espero que eles cruzem nossos destinos novamente. Eu quero me tornar uma dessas pessoas que você vê em seu sonho.
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