Precisava avisar Bruce, o que ouviu nas minas era preocupante, se suas suspeitas estivessem corretas a cidade corria perigo. Abandonou seu turno no trabalho e correu para vila, não podia perder tempo, a situação era gravíssima. Quando chegou á estalagem e encontrou Bruce no mesmo lugar o qual não parecia ter deixado nos últimos dias, sentado a mesa e de companhia suas garrafas vazias.
Ele parecia estar melhor desde que se conheceram, mas ainda era um caco. Criaram uma espécie de amizade, sempre se sentava a mesa dele, como nunca a deixava e ninguém tentava fazer companhia, era um lugar garantido onde podia comer. Ada compartilhava historias, tentando alegrar o dia de seu amigo melancólico, e elas sempre surtiam efeito, essa passou a ser a rotina que compartilhavam.
Aprendeu a ler melhor as expressões de Bruce, entender o que se passava em sua cabeça, estava sempre calado, sua linguagem corporal e expressões muito contidas, quase não entregavam suas reações e pensamentos, a maior parte das pessoas teria a impressão de que ele as menospreza, mas Ada entendia que ele era mais reservado. Mesmo que as olheiras tivessem diminuído e não parecesse mais tão melancólico mantinha aquela expressão severa, indiferente e exausta, se assemelhando a um vira-lata mal encarado. Ele apelidou Bruce de Chaminé, assim evitava falar seu nome e entregar sua identidade, além de arrancar uma reação que não à indiferença padrão, ele ficava claramente irritado, Ada não suportava o cheiro daqueles malditos cigarros vagabundos, para compensar se divertia atazanando. Diga-se de passagem, o apelido pegou o que parecia irritar Bruce mais ainda.
Aproximou-se da mesa e puxou uma das cadeiras. Tinha noção de que Bruce havia feito alguns serviços para a vila, assustar salteadores que atacavam nas estradas, matar alguns predadores selvagens que estavam matando o gado dos fazendeiros, coletar ingredientes nos bosques e montanhas da região. Contudo agora Ada sabia que poderia precisar de seu auxilio, questionava se ajudar prejudicaria seus disfarces, mas aquilo era maior que ele e Chaminé, vidas estavam em risco. Resolveu falar de uma vez
- Eu ouvi boatos, nas minas comentavam que fazendeiros e caçadores foram atacados por uma criatura. – Ada suspirou e buscou a melhor forma de explicar. –Pelas descrições algum animal muito grande e feroz, de olhos negros, que está extremamente agressivo. Também me disseram que fazendeiros encontraram cercas de arame farpado arrebentadas e que havia um liquido preto espesso nelas... Bruce; você não acha que pode se tratar de algo contaminado com sangue Negro?
- Se não são meras desilusões de camponeses bêbados, é bem provável que estamos tratando de uma besta contaminada pelo sangue. –Apoiou a mão sobre o queixo e ficou em silencio por um instante. –Ada, o que pretende fazer com essa informação? Eu sempre soube que você não é o tipo ordinário, vai tentar matar a besta?
-As coisas que nascem do sangue já me tiraram algo precioso uma vez, eu conheço essa dor, não permitirei que o povo de Trindade passe pelo que passei! –Seu rosto se encheu de determinação, falava como um herói. Não titubeou ao falar foi claro como seu objetivo. –Eu vou atrás do monstro, você também vem?
-Não posso te deixar morrer pivete! Quem vai me contar historias idiotas enquanto eu me mato aos poucos? –Um sorriso debochado surgiu em seu rosto estava claramente tirando sarro de Ada. –Pegue suas coisas devemos partir para o bosque encontrar nosso inimigo, no caminho você me conta o que sabe fazer.
Partiram da vila seguindo em direção a oeste para o bosque onde a criatura foi avistada. As árvores eram altas e numerosas o suficiente para fazer um arco por cima da trilha principal, dentro da floresta a penumbra era constante sendo esburacada pela luz que passava dentre os vãos nas copas das árvores. Após seguirem por um tempo na trilha principal começaram a percorrer caminhos secundários, assim podiam percorrer mais terreno do bosque e tentar encontrar a criatura. Nenhum dos dois era habilidoso em se guiar na mata e em rastrear animais, estavam completamente a mercê da sorte para encontrar a besta. Bruce começou a interrogar Ada.
-Então... Além de trabalhar pesado nas minas e tagarelar o tempo todo, o que exatamente você sabe fazer Ada? –Perguntou com tom cínico enquanto procurava a sua volta por sinais do animal
-Bem, meu pai me ensinou a lutar, eu sei varias técnicas de combate corpo-a-corpo aramado e desarmado. –Virou-se para Bruce e levantou a guarda com os punhos altos os balançando pra frente e para trás de forma ridícula fazendo piada das próprias técnicas.
-Então seu pai foi um bom mestre? Você nunca falou sobre ele ou sobre saber lutar. – Prestou atenção em Ada por um momento, mesmo que seu rosto continuasse indiferente era um sinal de que estava curioso quanto o assunto.
Os Caminhos do bosque ficavam mais tortuosos e íngremes, se apoiavam nas árvores para se locomover no terreno acidentado. Ao ser questionado sobre seu pai e seu passado o clima claramente mudou. Ada não era um grande fã do pai como pessoa, mas o respeitava muito. Não se sentia confortável em trazer ele na conversa.
-Nem tenta ir aí, não vou falar sobre meu pai. –Estava claro em seu rosto que não queria falar sobre o pai, se sentia frustrado e logo mudou de assunto. –Eu também tenho uma herança assim como você. Contudo ela não tem nome, eu sei usa-la, mas não a entendo muito bem. Sou capaz de fazer a terra se movimentar e moldar conforme a minha vontade, também sinto os diferentes materiais que a constituem.
-Então você tem uma herança Elementar assim como a minha isso é bem útil. –Sua expressão havia mudado, parecia perdida como se sua mente estivesse em outro lugar, deveria estar bolando alguma coisa.
-Eh... Na verdade não; meu pai dizia que é uma herança ligada a Determinação. Como eu disse não sei como funciona só sei usar. – A ingenuidade estava nítida em sua voz e expressão.
A conversa foi interrompida quando Ada percebeu por uma movimentação súbita. Abaixou-se e Puxou Bruce que não havia percebido nada, se esconderam entre as raízes das árvores e arbustos. Aptidão física e percepção claramente não são os fortes do Chaminé.
-Bruce, fique quieto! O inimigo está próximo. –Disse sussurrando para que não atraísse atenção.
Ele compreendeu e se calou. Com a visão que conseguiam ter escondidos dentro dos arbustos notaram a forma passando em sua frente a poucos metros de distância. Um enorme porco do mato; quase duas vezes do tamanho de um touro; seus pelos eram vermelhos de tom desbotado; presas enormes em pares saindo do maxilar inferior; chifres que brotavam de sua testa e acima do focinho; quatro olhos que agora estavam tomados de negro como se fossem consumidos por escuridão; na parte posterior do corpo havia arranhões um pouco profundos que devem ter sido feitos pelas cercas que a besta arrebentou; dos machucados escorria um liquido preto, espeço e sinistro; em suas presas, chifres e pelos havia manchas de sangue das vitimas que o monstro fez em seu caminho. Já não restava duvidas; estavam lidando com uma criatura do sangue.
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