Enquanto a menina dorme tranquilamente depois de uma manhã exaustiva, no palácio a quilômetros dali, Jev R tinha acabado de voltar de um encontro com alguns companheiros de guerra. A nova divisão encomendada pelo Rei WoBegon será composta por duas pessoas altamente capacitadas - no qual cada um vale por muitos. Todos têm alguma ligação com Callun. Fariam o que tivessem de fazer para completar a sua missão, promover novos tempos de glória para os karman e salvar os invum de seu inferno particular – pelo menos essa, teoricamente, era a premissa.
Para Jev, contudo, a oportunidade é outra.
Jev nasceu em Callun, mas ninguém sabia bem a sua história – nem ele. O rei dissera que ele é filho de falecidos empregados do palácio, uma nativa e um mestiço invun-karman. Não há informações exatas sobre a existência deles e, quanto mais vê o mundo, mais acredita que tudo é mentira. Todos mentem, principalmente o rei. Para ele, todos são uma grande piada de mal gosto. Deseja expiar o mundo com a destruição do planeta, o único meio possível para se livrar dessa praga. Essa talvez seja a oportunidade esperada tanto por ele como por certos rebeldes invun, dar um ponto final em muitos assuntos mal resolvidos.
Antes de voltar para o quartel, um serviçal chama a sua atenção. Devidamente convocado, o acompanha até o escritório principal do palácio.
Que droga aconteceu agora?
A porta tinha em sua superfície inúmeras engrenagens e tubos, a magia karman em seu traje roxo percorrem-na por inteira – como vasos sanguíneos, indicando intenso trabalho para manter a façanha viva. Ao chegar, o serviçal coloca a mão sobre uma esfera dourada e pulsante no centro daquele portal mágico. Tendo sido autorizado, os dois passam pela porta como se a solidez daquele objeto não existisse mais. Jev nunca parava de se surpreender quando experimentava os feitos sobrenaturais produzidos pela magia Hor.
O escritório parece uma gruta enorme, paredes escuras e quase sem móveis. Apenas o essencial está ali, tudo para que, quem estivesse lá, não percebesse o tempo passar de tão imerso que estaria em seus afazeres. Não há inconveniências, distrações ou possibilidade de alguém espiar. O Rei WoBegon está sentado em uma poltrona simples perto de uma grande mesa central, abarrotada de mapas e instrumentos diversos. Pelo dedo indicador e polegar entre os olhos, apoiando a cabeça... demonstrando profundo tédio.
- Entre logo, Jev. – murmura preguiçosamente. – Sente-se.
Próximo a uma cadeira, postava-se um mago de elite real. Seu rosto está avermelhado e narinas mais abertas do que o normal.
- Uh, um pimentão vermelho! – diz Jev, dando um sorriso de deboche. – Tem se bronzeado demais no sol?
- Já disse para não se referir a minha pessoa desse jeito, não temos essa intimidade e é desrespeitoso. – de vermelho de irritação, a expressão do famoso Hor muda para completo desprezo.
- Desrespeito? A culpa não é minha se sua mãe lhe deu esse nome horrível, o qual minha boca mal consegue pronunciar. Seu pai nem para...
O mago, no mesmo instante, aponta o cajado em direção a Jev. Feito de uma madeira estranha e cristais roxos, o instrumento se metamorfoseia na ponta como uma boca cheia de dentes prestes a atacar.
- Calma, crianças! – o rei ri. – Seria divertido, mas melhor deixar para outro dia. Temos algo a discutir. – tudo volta ao normal e Karth Hor imediatamente senta na cadeira igual a um robô obedecendo ordens. – Um dos Hor fugiu, influenciado pela oráculo. Preciso que organize uma busca, mas não use tanta gente... não quero causar tumulto e também nem seria um bom uso dos nossos soldados.
Jev sorri.
- Entendo o rosto de tomate desse ai agora. – ele ri. – Senhor, posso fazer melhor. Precisamos que todos estejam disponíveis para as batalhas contra os rebeldes nos arredores de Puma, já que houve rumores de contrabando de armas elétricas. O resto está em outras missões por aí, logo, menor capacidade aqui no centro. Vamos deixar tudo como está e por conta do tempo.
- Não iremos fazer nada?!
- Calma, moça vermelha!
- Vá direto ao ponto, Jev. Estou entediado demais para ter ideias hoje ou ouvir vocês por muito mais tempo.
- Claro, senhor. Concluindo meu pensamento, me deixe cuidar pessoalmente disso. Vou avisar toda a Triage sobre esse caso, com certeza eles serão os primeiros a obter pistas. Um bom suborno para os perseguidores certos, possivelmente encontraremos o fujão rapidamente... principalmente se estiver aqui na capital.
- Você está entregando minha filha aos leões! – grita Hor, batendo em punho as mãos na mesa. – Meu Rei, sei que tem planos para ela! Não pode...
Filha, pensou Jev.
- Se criasse sua corja em rédeas curtas, não teria esse tipo de preocupação. – Jev sorri, demonstrando um prazer puro em colocá-lo no chão onde sua podridão inútil habita. – De qualquer forma, ficarei atento. Não acredito que matariam a filha do chefe.
-... Mas, mas, mas.... Nem há garantias de que ela virá a Alter...
- Podemos inventar algo, oras. – Jev coça a barba, interessado. – Já que me odeia tanto, podemos anunciar um combate. Um chamariz.
O rei abre bem os olhos, como uma criança animada para brincar.
- Isso animará tanto nosso rei como os súditos. A notícia irá se espalhar tão rápido como o vento. Com certeza ela vai querer saber por qual motivo o papaizinho está lutando contra o campeão da nação.
Hor não responde.
- O justo, apenas seu cajado e minha espada. Só vamos brincar... – e sorri, arteiro.
- Concedo seu pedido, Jev. – anuncia o rei, sorrindo. O arquimago não responde, apenas senta na cadeira, olhando para o nada. – Faz tempo que não há algo me entretenha.
- Meu Rei, tenho coisas a fazer no mercado e não posso...
- Não é uma escolha, Karth. Ela não podia ter fugido. Vocês falharam tanto em mantê-la presa como em destruir a oráculo. Esse combate será uma boa punição, por hora.
O homem continua a olhar para o nada, ficando cada vez mais pálido.
- Vou preparar tudo então, majestade. – balbucia baixinho.
- Faça isso... Aliás, se não encontrarmos Ilídia a tempo, case o mais rápido possível Zafrino. Assim, a garota fujona não seja mais problema e poderemos eliminá-la de vez. Questão resolvida. Faça de bom grado e não reclame. Estou sendo um monarca benevolente.
Karth arrasta seus pés gordos para fora do sala, emburrado.
Preciso impedir logo a profecia... reflete WoBegon. Antes que eu acabe violando o pacto e mate esse peso morto..
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