Cada passo que me aproximava do micro ônibus, já visível da entrada do estacionamento, requeria um esforço enorme de concentração. Meu coração estava acelerado, eu tentava respirar devagar e repetia mentalmente: “Está tudo bem, está tudo bem, está tudo bem.”
O que eu esperava ter sido uma piada da Raffaela, tinha se alojado fundo no meu cérebro... uma farpa gelada de mau agouro que eu não sabia da onde tinha vindo. Chacoalhei minha cabeça de leve como se o movimento fosse capaz de simplesmente jogar aquela sensação para fora do meu corpo.
As respirações foram surtindo efeito aos poucos enquanto nos aproximávamos e eu já me sentia melhor, e muito mais calma apesar do meu estômago ainda estar apertado.
Tudo bem, eu ia conseguir.
Ia ficar tudo bem.
O motorista, um senhor já na casa dos 50 e muito simpático, estava esperando do lado de fora para poder colocar minha mala no bagageiro. Eu agradeci e pensei em esperar que a Raffaela entrasse na minha frente... (eu sei, ok?!... Ainda estou tentando reeducar a “Cassie covarde”, um passo de cada vez.) Mas ela apenas sorriu calmamente para mim, com um olhar que sabia exatamente quais eram minhas intenções e não ia cooperar. Fez sinal para que eu fosse indo enquanto discutia alguns detalhes com o motorista.
Bom... era isso... eu ia ter que me virar sozinha.
E talvez tivesse que rever a ideia de que fossemos ser ótimas amigas....
Fui até a porta e assim que pisei no primeiro degrau do ônibus senti um choque atravessando meu corpo, subindo pela coluna e se alojando quase dolorosamente no meio das minhas costas, bem na altura do coração.
Imediatamente todos os meus alarmes internos, que eu nem sabia que existiam, começaram a soar... Me senti subitamente desorientada e tive dificuldade para fazer o ar chegar até os meus pulmões. Mas que merda era essa? Eu já tinha me acalmado, de onde tinha vindo isso? Será que eu tinha me forçado a sair tanto da minha zona de conforto que estava desenvolvendo algum tipo de síndrome do pânico?
Olhei para o lado, ainda só com um pé no ônibus, e percebi que Rafaella me observava com o canto dos olhos. Assim que sentiu meu olhar, mais do que rápido me deu as costas e fingiu estar totalmente envolvida na conversa com o motorista.
É, com certeza teria que rever o negócio de melhores amigas...
Puxei forças não sei de onde e dei outro passo subindo completamente no ônibus dessa vez.
Outro choque.... mais longo mas também mais ameno dessa vez.
“Deus, era assim que o coitado do homem aranha se sentia o tempo todo, lidando com os tais dos "sentidos aranha"?”
Minha garganta parecia estar fechando e agora acompanhando a dificuldade para deixar o ar entrar nos meus pulmões havia surgido um zumbido agudo nos meus ouvidos. Eu estava começando a ver pontos de luz dançando à minha frente, sinal que eu podia desmaiar a qualquer momento. Fechei minha mão em garra segurando firme no corrimão.
Eu não sabia como, mas fiz meus pés continuarem a se mover. Minha meta agora era chegar à primeira poltrona que eu encontrasse vazia e me jogar nela antes que alguma coisa pior acontecesse. Como eu cair de cara em cima de algum dos meus chefes, ou talvez até vomitar em três ou quatro deles antes de, então, cair desmaiada de cara no chão do corredor estreito.
Assim que alcancei as poltronas meu olhar varreu rapidamente o ônibus em busca do lugar vazio mais próximo. E mesmo com o meu corpo surtando do jeito que estava, simplesmente foi impossível não reparar nas pessoas que estavam lá dentro.
O micro ônibus de cerca de 20 lugares estava quase totalmente ocupado, e sem nenhuma duvida, eu e Rafaella seríamos as únicas meninas naquele lugar.
Todos os outros assentos estavam ocupados por homens.... E não qualquer tipo de homem, não. Eram homens enormes. E-NOR-MES. Uns mais magros, outros mais musculosos, outros assustadoramente fortes.... E todos definitivamente altos. Muito altos, eu mal devia alcançar o ombro da maioria deles. Eu não esperava tantos... quando a Rafaella falou sobre eles, eu não sei porquê, mas formei uma imagem mental de quatro... no máximo seis pessoas... e já achei muito. Não estava bem o suficiente para contar mas pareciam ser quase uma dúzia.
Outro detalhe desconcertante era como eram bonitos, cada um tinha traços únicos, com esse tipo de beleza inquestionável, fora de qualquer padrão....
Mas mesmo com todo o quesito beleza.... Uau.
Assustadores.
De onde esses homens tinham saído?
Era vergonhoso, mas aparentemente mesmo tendo uma síncope, meu cérebro ainda era capaz de não só perceber a presença de caras insanamente quentes, mas de também instantaneamente analisar, catalogar e fazer uma lista refinada de cada traço exótico capaz de fazer o queixo de qualquer mulher cair.
“Sinto muito outra vez Homem-Aranha, mas isso sim é que é super poder!” e voilá a “Cassie sem noção” estava na jogada.
Claro cérebro, continue vendo o quanto eles são gostosos ao invés de procurar todas as possíveis rotas de fuga desse ambiente, ou no mínimo a porcaria de um lugar vazio do qual preciso desesperadamente! Com certeza vai ser muito mais útil!
E essa era a senhora “bom senso”, finalmente, dando o ar da sua graça.
Normalmente eu não me assustaria com um bando de homens. Até mesmo a antiga Cassie não tinha lá muitos problemas em estar em minoria em um ambiente cheio de testosterona. Bem, desde que eu conseguisse me manter à margem e não chamasse muito a atenção.
Mas havia algo a mais acontecendo ali.
Eles estavam visivelmente agitados, em estado de alerta, mais da metade estava em pé, outros sentados mas ainda mexendo em alguma coisa.... Era quase como se eles estivessem se preparando para sair correndo do ônibus atrás de alguma coisa.
E então, em um estalo eu simplesmente sabia. Sim, eles estavam em estado de alerta e decidindo qual estratégia adotar. Não me pergunte de onde vinha essa certeza. Não me pergunte como, mas eu sabia que era isso... Esses caras eram do exército, ou algo do tipo? Porque eu podia jurar que havia visto essa mesma tensão, várias e várias vezes... Mas onde? Uma parte minha me perguntava... Onde você poderia ter visto isso antes? Filmes de ação? Jogos de futebol?
“Caras tentando chamar a atenção dos garçons carregando as bebidas em uma balada open bar?!” A “Cassie sem noção” ainda não tinha desistido... mas é, talvez.... Tinha que admitir que essa era uma possibilidade.
Será que era isso que tinha espalhado essa descarga elétrica que eu ainda estava sentindo percorrer o meu corpo? Deus sabia o quanto eu estava estudando sobre como a energia de uma pessoa era capaz de afetar as outras ao seu redor, e principalmente o efeito ampliado de um grupo envolvido na mesma emoção. Mas ainda tinha a sensação que não era isso que havia instigado meu sistema de sobrevivência a liberar todos os hormônios conhecidos pela ciência de uma só vez no meu organismo.
Não... Havia sido a reação deles à mim, assim que notaram minha presença. Eu já nem pensava mais na dificuldade em respirar... meus pulmões estavam simplesmente paralisados e meu corpo parecia ter aceitado o fato. Todos os corpos gigantescos haviam se virado na minha direção e todos os olhares estavam agora congelados no meu rosto.
Era como se alguém tivesse pausado um filme bem no meio de uma cena de ação, uma em que todos aqueles homens imensos fazendo sabe-se lá o que na trama, olham todos de uma vez para o pobre coitado que acabou de aparecer pela porta. Ele está no lugar errado na hora errada. E você já sabe o que vai acontecer... Ele vai levar uma surra. Ele vai tentar correr, claro... Mas no fim... Oh, sim... Ele vai levar uma senhora surra.
Dizer que estava me sentindo intimidada era definitivamente pouco, senti meu corpo vacilando para trás até que minhas costas encostaram na divisória entre o assento do motorista e todas as outras poltronas. Minha cabeça girou para trás procurando a Rafaella, eu precisava de um apoio imediatamente, mas ela ainda estava fora do ônibus conversando com o motorista na maior calma do mundo.
Eu tinha que me controlar... prestei atenção no zumbido que à esse ponto fazia meus ouvidos latejarem e fechei os olhos enquanto pensava sem um pingo de paciência: “Chega!"
Vocês não fazem ideia da minha surpresa quando senti o zumbido sumir quase que imediatamente.
Isso devia estar visível no meu rosto, porque quando voltei a abrir meus olhos, a intensidade dos rostos que me encaravam tinham aumentado ainda mais. Oh, merda... um passo para frente e dois para trás...
Me dei alguns segundos e tentei espremer um pouco de racionalidade do meu cérebro.
Pessoas.
Esses homens, meus chefes.... por mais intimidadores que parecessem agora, eram só pessoas.
Boas pessoas segundo a Raffaela...
E boas pessoas não atacam outras pessoas nos ônibus....
Pelo menos, não assim sem mais nem menos...
Eu nem tinha vomitado em ninguém ainda, tinha? Não... Não tinha. Então eles não tinham razão para me atacar.
Mas podiam começar a achar que eu era completamente maluca se eu não desse um jeito de aliviar a situação. Qual é?! Não podia ser tão difícil! Era só acenar, sorrir, dizer que não estava passando muito bem, pedir desculpas e me encolher no banco vazio ao meu lado.
O maravilhoso e protegido banco vazio, logo ali ao meu lado.
Tão perto e tão longe...
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