Há mais de 50 anos atrás foi publicada a primeira tirinha com a personagem Mônica, que daria origem à famosíssima revista em quadrinhos Turma da Mônica. Hoje em dia, a revista é conhecida internacionalmente, fazendo parte da cultura nacional. É raro ver-se uma criança que nunca nem tenha ouvido falar de Turma da Mônica.
E, bem, ao longo destes 50 anos os temas e ideias abordados e apoiados pela Maurício de Sousa Produções, empresa que leva o nome do criador da personagem e que cuida desta e tantas outras revistinhas e histórias criadas por ele, mudaram muito. Atualmente, nas histórias se fala muito sobre feminismo, tendo sido criado o movimento “Donas da Rua”, e representatividade, com a turminha incluindo personagens portadores de necessidades especiais, como uma personagem cega, uma personagem com síndrome de Down, um personagem em uma cadeira de rodas. Só que parece que eles se esqueceram de um ponto.
Quem for parar para olhar todos os personagens da turma original, vai ver que, em todos esses mais de 50 anos de Mônica, ainda existe apenas um único personagem negro, o Jeremias. Mesmo na Turma da Mônica Jovem, revista com roteiristas diversificados, e que sempre recebe personagens novos, o único negro é o Jeremias. Uma das personagens, Denise, teve seu design mudado diversas vezes, e em todas elas ela foi branca. E não é como se houvessem apenas pessoas brancas na turma, vários personagens recorrentes são de origem asiática, e existe até mesmo uma turma inteira de personagens indígenas. Porém, os únicos personagens negros na MSP além do Jeremias são os das revistas do Pelé e Neymar.
E, a pior parte, é que a não criação de personagens negros não acontece apenas na turma da Mônica. Infelizmente, no mundo a representatividade de pessoas negras em material não só infantil, ainda é muito baixa, e, quando ela existe, muitas vezes é mal feita. Nas novelas, por exemplo, 90% dos personagens negros quando não são de classe baixa, empregados de pessoas brancas, carregam consigo algum outro estereótipo. Um exemplo é na novela O Outro Lado do Paraíso onde existe a personagem Raquel, uma negra quilombola, de classe baixa, que trabalhava de empregada na casa de uma mulher racista que depois vira uma juíza. Ou na malhação Pro Dia Nascer Feliz. Quando foi anunciado que essa temporada teria a primeira protagonista negra foi uma comemoração. Mas, ela trabalhava de faxineira. E é quase sempre assim, na verdade, o único programa da rede Globo em que isso não acontece é o seriado Mister Brau, protagonizado por Lázaro Ramos e Taís Araújo.
Eu realmente não entendo qual a insistência da mídia em excluir pessoas negras dos programas e livros e em continuar reproduzindo esses estereótipos. E, para pessoas brancas isso pode não parecer importante, porém para pessoas negras, especialmente crianças, é um fator significativo. Eu me lembro que, quando era criança, sempre que um personagem de pele escura em uma situação, geralmente financeira, superior aos demais personagens negros que eu via aparecia, eu me agarrava a ele. Detestava quando eu via algum desenho em que justo a personagem negra “cotada” era a desfavorecida, ou a que tinha os piores empregos (meio realista, não é?) e era guerreira e grossa com as outras meninas e outros estereótipos. E era exatamente por isso que minha princesa favorita era a Jasmine, exatamente por ter nascido princesa, era por isso que minhas bonecas negras eram minhas preferidas e sempre eram elegantes e ricas, porque eu já estava cansada de ver pessoas como eu e minha mãe sempre nos mesmos lugares. Detalhe: não estou dizendo que existe algum problema em ser de classe baixa, não existe mesmo, e muito menos em trabalhar de faxineira ou empregada, a pessoa que eu mais admiro ajudou a sustentar quatro filhas trabalhando de faxineira. O problema é as pessoas acharem que só existem negros nessa camada da sociedade, e que pessoas negras só podem ter esses empregos.
Mas bem, se em coisas feitas por brancos não têm muitas pessoas negras, por quê não procurar coisas feitas por pessoas negras? Esse é o problema. Pessoas negras não são ouvidas tanto quanto pessoas brancas na grande mídia. Pegue o youtube, por exemplo. Dos youtubers mais famosos, com mais de um milhão e meio de inscritos, quantos são negros? Eu me lembro apenas de um, o AuthenticGames, que faz vídeos do jogo minecraft. E a questão não é a falta de youtubers negros, basta apenas pesquisar e você encontra muitos. Das youtubers e blogueiras de maquiagem e moda mais famosas: quantas são negras? E existem muitas moças negras nesse ramo, tanto quanto em todos.
Passando agora para outro ponto, a cota de pessoas negras na mídia. Isso não tem nada a ver com as cotas de pessoas negras na universidade, e esse assunto não será tratado aqui. Muitas vezes, parece que existem personagens negros apenas para existirem pessoas negras, mesmo que elas não tenham personalidade nenhuma, quem está inserido no meio da arte, principalmente independente sabe que isso acontece muito com personagens diferentes do padrão. Então, vou ensinar a vocês a como fazer um bom personagem diversificado:
Passo 1: Crie uma personalidade para ele. Isso, antes de qualquer coisa. Pense: quem ele é, o que gosta de fazer, de que jeito se veste, o que não gosta de fazer, seus talentos, qualidades, defeitos, traços, o que ele leva na bolsa, etc. As asks do Tumblr com perguntas sobre o OC (personagem) ajudam muito.
Passo 2: Crie uma backstory para ele. Pense: de onde ele veio, quem são seus pais, se ele tem pais, sua relação com a família, segredos, lembranças, traumas, se isso influencia em algumas reações dele. Isso ajuda muito a deixar o personagem realista.
Passo 3: Apenas agora você vai dar uma aparência e traços a ele. Agora você define a cor da pele, se tem vitiligo, define a orientação sexual, o gênero, cabelo, olho, peso, formato do corpo, se tem alguma necessidade especial e tudo o mais. Se você quer fazer um personagem bem feito siga esses passos, mesmo que seja um dentro do padrão, porque corre o risco de fazer personagens rasos e sem personalidade se começar pela aparência e esquecer do resto.
Após esse desabafo sobre representatividade e essa aula de criação de personagem, deixarei essa passagem por aqui. O formato foi diferente do que eu esperava, porém eu precisava falar de um jeito ou de outro.
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