Corria. Corria mais do que tudo, uma sinfonia sangrenta como música de fundo para a cena ecoava em sua cabeça. Eram como os acordes mais graves saindo de um órgão, tocado pelo mal personificado. Via sangue e corpos dos seus por toda a parte no meio daquele estranho solo branco com valas negras, onde caíam mais e mais seres, mortos, com as almas lutando uma última vez para se romper do corpo.
A àquela altura os gritos de terror já tinham se cessado, vozes violentamente silenciadas, caladas. Não é como se de fato elas pudessem ter sido ouvidas por alguém além de seu próprio povo, mas ainda assim, eram vozes. Vozes que faziam falta naquele silêncio absoluto e mortal.
As cenas de horror voltavam à tona, tomando sua visão por completo. Via seus irmãos escalando paredões de tons estranhos, artificiais, como um desrespeito à ordem natural que tanto prezavam. Doía no coração de cada um ter de submeter a aquilo, apenas para ter uma chance de fugir e sobreviver. Naquele ponto a missão já não importava mais, já haviam esquecido o objetivo e focando apenas em suas vidas. Via seus irmãos caírem nas valas, ao seu lado.
“Nat!”, gritava correndo em direção à amiga. “Tan!”, gritava pelo outro, que caíra poucos milissegundos após a jovem.
As notícias da chacina tinham sido ouvidas por todos os arredores, das centenas de mortos só naquele dia, da crueldade do assassino, que, enquanto aquela pobre população escalava os paredões e corriam por aquele deserto completo de diversas e estranhas estruturas, quando uma máquina terrível chegava com sua ponta ou planície; empurrava aqueles no paredão e esmagava sem piedade aqueles no chão. Ouvira relatos de um que fugia em cima de uma das estruturas, uma atrasada que chegara no lugar ainda achando que a missão tinha chance, desviar a toda velocidade de uma das estruturas menores, apenas para ter seu corpo esmagado e cortado por ela.
Agora, a realidade lhe aparecia novamente. Resolvera sair de perto das estruturas e dos corpos e do sangue, focando em apenas correr para longe, agora em campo aberto, com o seu melhor abrigo a dias de distância, a dias que não tinha. Porém foi um erro grande ir para lá, e, quase se cegando por uma luz, como tudo ali, artificial, não parava de correr.
Era só o que fazia, era só no que pensava. Agora, a máquina mortal que acabara com a vida de seu povo não mais estava lá, e fora substituída por uma arma natural, proveniente daquele assassino. Parou para pensar por um segundo no que faria caso conseguisse sobreviver a aquilo, e, assim, sentiu uma sombra surgir atrás de si ao cair numa das valas. Atordoado, corria e dava meia-volta a toda hora, tentando fugir daquela escuridão gerada pela arma, virava-se loucamente, a inquietude e o medo chegando, porém a coragem nunca indo embora.
“Ainda que andei pela sombra do vale da morte, temerei jamais.”, era o mesmo mantra que não parava de repetir a si, até que, finalmente poderia respirar ao achar que tinha saído da mira do terrível espécime que o caçava, quando sentiu o calor envolvendo toda a sua estrutura, sentiu odores nunca sentidos tão de perto antes, viu uma última vez seus compatriotas, suspirou uma última vez e foi esmagado, morto, como todos os outros. Triunfante, seu assassino, a metros de altura, gritou:
“Mãe! Acho que matei a última formiga!”
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